Qual é a relação entre trabalho escravo e trabalho infantil?

Confira aqui a matéria publicada originalmente no página web do projeto Criança Livre de Trabalho Infantil.

As explorações estão diretamente relacionadas e também envolvem o tráfico de pessoas. Entenda as diferenças e como enfrentá-las!

O trabalho escravo é considerado uma violação dos direitos fundamentais e da dignidade humana. Quando a vítima tem menos de 18 anos,  é considerada também uma das piores formas de trabalho infantil (lista TIP), de acordo com a convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), abrangendo todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão, como venda e tráfico de crianças, sujeição por dívida, servidão e trabalho forçado ou compulsório, incluindo o recrutamento forçado ou obrigatório de crianças em conflitos armados.

São características do trabalho escravo contemporâneo as jornadas exaustivas, em condições degradantes e, por muitas vezes, com agressões físicas e psicológicas. Sendo que, apenas um desses elementos já é suficiente para configurar a exploração de trabalho escravo. Quanto às crianças e adolescentes, a incidência mais comum é no trabalho rural – como agricultura e extrativismo mineral – e no trabalho infantil doméstico.

Segundo relatório da OIT, em 2021, cerca de 50 milhões de pessoas no mundo sofreram com condições análogas à escravidão. O estudo ainda relata que o fenômeno afeta todos os continentes e está presente, inclusive, nos países mais ricos. As principais causas responsáveis por esse cenário no ano passado seriam a pandemia de Covid-19, os conflitos armados e as mudanças climáticas.

No Brasil, segundo o artigo Trabalho escravo infantil: invisibilidade e a realidade brasileira, escrito pelos os auditores fiscais do trabalho, Maurício Krepsky Fagundes e Rafael Lopes de Castro, é seguro afirmar que não há região do país isenta do trabalho escravo por crianças e adolescentes, apesar dos poucos registros oficiais.

O texto ainda destaca que o perfil das crianças e adolescentes resgatadas guarda enorme relação com os indicadores de vulnerabilidade social e econômica do país e não difere do do perfil da maioria de crianças e adolescentes submetidas ao trabalho infantil.

O governo federal brasileiro reconheceu a existência do trabalho escravo contemporâneo em 1995. Desde então, mais de 57 mil trabalhadores e trabalhadoras já foram resgatadas dessa condição e mais de 126 milhões de reais foram recebidos pelos trabalhadores como verbas rescisórias, segundo o painel de informação e estatística da Inspeção do Trabalho no Brasil

Ao longo dos anos, o combate ao trabalho escravo no Brasil conseguiu avançar em algumas políticas públicas como o Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), a Lista Suja e o Seguro-Desemprego do Trabalhador Resgatado. Porém, quando o trabalho escravo está relacionado ao trabalho infantil, a falta de políticas públicas adaptadas e execução de medidas protetivas leva a violação à invisibilidade.

Para Rodrigo Teruel, analista de projetos do Programa Escravo, nem Pensar!, há uma forte relação entre trabalho infantil, trabalho escravo e tráfico de pessoas.

“Existe uma pesquisa da OIT que diz que os trabalhadores resgatados começaram a trabalhar, em média, aos 11 anos. Ou seja, primeiro eles passaram pelo trabalho infantil. Outro ponto de intersercção é que as famílias em situação de vulnerabilidade –  geralmente as mais acometidas pelo trabalho escravo – também têm as suas crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil, porque precisam contribuir para o complemento da renda famliar”, afirma.

O analista ainda acrescenta que há uma associação direta com essas formas de trabalho infantil e o tráfico de pessoas. “Principalmente, em casos de trabalho infantil doméstico ou exploração sexual infantil”.

Perfil das vítimas de trabalho infantil

Assim como no trabalho escravo, a principal causa do trabalho infantil é a fome e a miséria. “A economia e o direito do trabalho estão intrinsecamente relacionados neste aspecto. Se o ambiente é de crise e desproteção de famílias abaixo da linha de pobreza, certamente teremos meninos e meninas nas ruas, nas fazendas e nas casas sem acesso à escola e inseridas no trabalho lesivo. A situação é gravíssima”, aponta o procurador do trabalho Eduardo Varandas. 

De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua) sobre Trabalho de Crianças e Adolescentes, em 2019, havia 1,8 milhão de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos em situação de trabalho infantil, o que representa 4,6% da população (38,3 milhões) nesta faixa etária. 

Dentro desse grupo, a maioria é do sexo masculino (66,4%), entre 16 e 17 anos, e de cor preta ou parda (66,1%). A pesquisa verificou também que, em 2019, havia 706 mil pessoas de 5 a 17 anos de idade em ocupações que faziam parte da lista TIP. Ou seja, 45,9% das crianças e adolescentes que realizavam atividade econômica estavam em ocupação de trabalho perigoso. 

O que diz a lei

Trabalho Infantil: toda forma de trabalho realizado por crianças e adolescentes abaixo da idade mínima permitida, de acordo com a legislação de cada país. No Brasil, o trabalho é proibido para quem ainda não completou 16 anos e na condição de aprendiz, é permitido a partir dos 14 anos. Se for trabalho noturno, perigoso, insalubre ou atividades da lista TIP (piores formas de trabalho infantil), a proibição se estende aos 18 anos incompletos.

Trabalho Escravo: crime expresso no Artigo 149 do Código Penal Brasileiro, significa reduzir alguém à condição análoga à de escravo, submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva ou condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.

Tráfico de Pessoas: no Brasil, a Lei nº 13.344, que trata especificamente sobre o tema, foi sancionada em 2016. O marco legal trouxe avanços referentes à proteção e ampliou as finalidades de exploração decorrentes do delito da prática. Antes, o tráfico humano estava ligado apenas à prostituição e à exploração sexual. Hoje, o artigo 149-A do Código Penal brasileiro ampliou o seu alcance para outras finalidades como trabalhos análogos à escravidão e adoção ilegal. 

Mendicância: também está no Código Penal (artigo 247, 245 e 149-A). Como forma de exploração, pode se configurar quando um indivíduo ou grupo organizado, principalmente crianças e adolescentes, ficam nas ruas pedindo dinheiro ou comercializando pequenos produtos, sob coação, restrição de liberdade e retendo todo ou parte do fruto desta prática.

Fonte:
Guia De Enfrentamento ao Tráfico de PessoasTráfico de pessoas – Mercado de gente (2ª edição ampliada) – Escravo, nem pensar!