MPT, SIT e Ong Repórter Brasil realizam evento e aprofundam discussão sobre trabalho escravo no Amazonas

Confira aqui a matéria publicada originalmente na página web do Ministério Público do Trabalho.

Durante dois dias (29 e 30/09), a sede da Procuradoria Regional do Trabalho da 11ª Região (PRT11), recebeu especialistas de vários instituições e segmentos sociais para discutir de forma aprofundada o trabalho escravo no Amazonas, destacando suas diversas modalidades, ações de repressão, prevenção e atendimento às populações vulneráveis à essa prática criminosa.

No primeiro dia, quatro mesas contemplaram os aspectos mais importantes da questão, e no segundo dia a Oficina “Qual o papel da Assistência Social na erradicação do trabalho escravo” trouxe estudo de caso sobre atendimento aos trabalhadores resgatados.

O evento, organizado pelo Ministério Público do Trabalho, Repórter Brasil e pela Superintendência Regional do Trabalho no Amazonas com parceria da Semed Manaus e Seduc-Amazonas, contou com a participação de órgãos do poder público sediados no Amazonas, além de organizações internacionais e da sociedade civil.

Mesas de discussão

A primeira mesa abordou o tema: O que é trabalho escravo contemporâneo? Com os palestrantes Emerson Costa, auditor Fiscal do Ministério do Trabalho e Previdência; Silvia Loureiro, docente da Universidade do Estado do Amazonas; Igo Zany, Juiz do Trabalho, do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região; e João Thomas, defensor Público da Defensoria Pública da União. A mediação foi da Coordenadora do Programa Escravo, nem pensar! da ONG Repórter Brasil.

A pesquisadora Silvia abriu o Seminário em uma perspectiva acadêmica do conceito de trabalho escravo trazendo para discussão um precedente da Corte Interamericana de Direitos Humanos do acontecimento da fazenda Brasil Verde (recorrência de trabalho escravo no estado do Pará com a omissão do restado brasileiro), caso paradigmático tanto para o Brasil quanto para a própria Corte, porque foi a primeira condenação brasileira pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no tema de trabalho escravo e na jurisdição contenciosa da corte, o tribunal teve a oportunidade de se debruçar sobre a análise do artigo 6º da Convenção Americana (proibição da escravidão e da servidão). A partir das linhas gerais desse caso, a pesquisadora expôs o conceito de trabalho escravo.

O Defensor Público João Thomas abordou o tema contextualizando o trabalho escravo ao longo o tempo, demonstrando que a exploração laboral é um elemento contínuo e constitutivo da sociedade brasileira.

A participação do auditor Fiscal do Ministério do Trabalho e Previdência, Emerson Costa, trouxe ao seminário um olhar especial sobre a modalidade de Trabalho escravo doméstico, envolvendo crianças e adolescentes.

O juiz do Trabalho Igo Zany, do Tribunal do Regional do Trabalho da 11ª Região, abordou a participação do judiciário, discutindo os problemas sociais, envolvendo o trabalho escravo, a pobreza a miséria. “Estamos abrindo as portas do nosso poder judiciário, discutindo mobilidade, estrutura móvel, quebra de paradigma, linguagem menos rebuscada, acessibilidade para que as pessoas que procuram pelo judiciário sejam acolhidas, legitimadas, validadas nos seus problemas sociais, que a Justiça faça justiça de fato, que não seja apenas um fórum, um prédio. É importante essa perspectiva nossa de participar desses eventos para mostrar que o judiciário está aberto e que ele não é um poder alheio, que é um poder presente a atendo às questões amazônicas”, destacou o juiz.

Mesa 2: Invisibilidade e migração

A segunda mesa teve a participação da procuradora-chefe do MPT e co-coordenadora do Grupo de Trabalho Nacional em reposta ao fluxo migratório venezuelano, Alzira Melo Costa; da coordenadora do programa “Escravo, nem pensar” da ONG Repórter Brasil, Natália Suzuki e da Jolemia Chagas articuladora da Rede Transdisciplinar da Amazônia (RETA), Organização da Sociedade Civil.

A procuradora Alzira Costa fez um panorama do fluxo migratório venezuelano para os Estado de Roraima e Amazonas, pontuando características de exploração trabalhista dessa população, levadas muitas vezes a sujeição de formas mais depreciativas de trabalho pela necessidade de sobreviver. “Migrantes e refugiados estão muito mais sujeitos à superexploração do trabalho, a serem traficados para as piores formas de trabalho (exploração à trabalho escravo, exploração sexual, dentre outras). Pessoas que entram no país, algumas permanecem sem documentação e se submetem a todo tipo de serviço (isso aconteceu em especial durante a pandemia de COVID). As mulheres, por exemplo, executam trabalho doméstico remunerado em diárias, algumas se sujeitam a trocar o laboral de um dia por comida. Eu pergunto: Isso seria trabalho escravo? Estou sendo provocativa para nos levar a pensar e refletir em torno de conceitos estáticos e de realidades dinâmicas.

Outro aspecto levantado pela procuradora foi a invisibilidade do público LGBTQI+, exploração sexual de crianças e de adolescentes e prostituição. Exemplificou diversos casos onde a exploração sexual e a prostituição forçada como trabalho escravo contemporâneo.

A segunda participante da mesa foi a coordenadora do programa Escravo, nem pensar! Na ONG Repórter Brasil, Natália Suzuki, fazendo um recorte da invisibilidade do trabalho escravo na perspectiva de gênero. Revelou que durante décadas o índice de 5% do trabalho escravo feminino foi desprezado, em detrimento aos 95% do índice de trabalho escravo masculino.

Foi nos anos 2018 e 2019 que a ONG Repórter Brasil se incomodou com essa situação e resolveu aprofundar estudos para saber quem são essas mulheres, onde estão sendo escravizadas, em quais estados, qual o perfil, qual a cor, a idade.

“Não se sabia nada”, revelou Natália. “Lançamos mão dos dados da auditoria fiscal da inspeção da DETRAE (Divisão para Erradicação do Trabalho Escravo) do Ministério do Trabalho. A invisibilidade está nos dados disponíveis. Se os dados estão indisponíveis, se as informações são inacessíveis, sob a perspectiva do poder, qual a política pública dedicada à mulher? Não existe nenhuma política pública específica no sistema de combate ao trabalho escravo dedicada à gênero no Brasil”, salientou.

A invisibilidade do trabalho escravo também foi abordada pela representante da Rede Transdisciplinar da Amazônia (RETA) e pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas, Jolemia Chagas. Destacou o trabalho que desenvolve no sul do Amazonas, abrangendo o município de Manaus, BR 315 e 319, região que há 5 anos vem sofrendo pressão muito grande na fronteira da pecuária e da madeira em especulação para produção de produtos de comodities, com grandes desafios com relação ao trabalho análogo a de escravo, seja na retirada de madeira, pecuária e garimpo. São identificados também prostituição infantil, quando crianças e adolescente são levados por motoristas de caminhão que passam na estrada. Na região do rio Manicoré e do rio Madeira, há processo de devastação da vegetação e diversas evidências de trabalho análogo à escravidão.

Quando às denúncias, a pesquisadora destacou que há o empecilho da naturalização do trabalho escravo. As pessoas não sabem os seus direitos e são vítimas do chamado cativeiro eleitoral. No município de Manicoré, por exemplo, o último concurso público foi em 2005, geralmente as pessoas são ligadas a contrato, professores, sobretudo, são desligados em dezembro, voltando a dar aula em março sem nenhum direito trabalhista. “Nosso trabalho é observar essas questões e tentar contribuir com a denúncias e com informação”, disse Jolemia.

Mesa 3: Perspectivas e ações repressivas e de atendimento à população vulnerável

Na terceira mesa, a chefe do escritório da Organização Internacional para as Migrações em Manaus (OIM), Jaqueline Almeida, trouxe a questão do apoio aos refugiados, fortalecendo-os para que consigam, com autonomia, serem uma força de enfrentamento ao trabalho escravo. “Trabalhamos a partir do princípio de que a migração humana ordenada beneficia os migrantes e a sociedade que os acolhe. Para a OIM a migração é sempre positiva, uma janela de oportunidade e trabalhamos muito no fomento ao desenvolvimento social e econômico por meio da migração, favorecendo o bem-estar do migrante e o território de destino”, esclareceu. Se isto for garantido, muito do enfrentamento do trabalho escravo, trabalho inseguro e tráfico de pessoas podem ser reduzidos. “Se não temos um trabalho favorável, as redes criminosas se beneficiam mais, elas crescem. Se você tem um cenário seguro, de dignidade, de prevenção e fortalecimento do público e do contexto as redes criminosas perdem espaço”, enfatizou Jaqueline, apresentando dados estatísticos do fluxo migratório de venezuelanos para Manaus.

Os dados atualizados revelam que mais de 20 mil migrantes venezuelanos vivem em Manaus, representando 7,5% do total de venezuelanos vivendo no Brasil. Desse total, cerca de 14 mil vivem em situação de pobreza e extrema pobreza. Outro aspecto das pesquisas da OIM é quanto à empregabilidade dos migrantes, destacando a língua como principal barreira.

A representante do Alto Comissariado da ONU para Refugiados (ACNUR), Assistente de campo, Juliana Serra, também participou da mesa 3, esclarecendo sobre a atuação da instituição e suas ações práticas no Amazonas. Presente no Brasil desde 2004, a ACNUR atua em São Paulo, Boa Vista, Boa Vista, Pacaraima e Belém, exercendo suas ações também em parcerias com outras instituições, como a ADRIA, Cáritas, Instituto Humanas, Museu Casa do Objeto Brasileiro e a Associação Hermanitos.

Juliana enfatizou dados da pesquisa “Diagnóstico Socioeconômico e Laboral de Pessoas Refugiadas e Migrantes Venezuelanos em Manaus”, realizada recentemente para coletar evidências da realidade população de migrantes em Manaus.

As ações da ACNUR são voltadas para acesso aos documentos, inclusão e políticas públicas, construção de capacidades locais, proteção de base comunitária e integração local e solução duradoura, além de respostas específicas à população indígena.

Mesa 4: Perspectivas e ações de prevenção

A mesa 4 fez o encerramento do seminário com a apresentação do Projeto Edumigra, Escravo nem pensar! iniciativa da ONG Repórter Brasil com UNICEF, a Seduc/AM e Semed/Manaus para a formação de educadores sobre os temas da migração e trabalho escravo na perspectiva preventiva e acolhimento da população migrante. As escolas Paulo Pinto Nery e Escola Estadual Frei Silvio Vagheggi fizeram encenações teatrais com alunos de 8º ano a partir de pesquisa de campo, reproduzido a problemática enfrentada pelas famílias migrantes na capital amazonense. O trabalho escravo doméstico de uma adolescente foi encenado pela escola Paulo Pinto Nery e a trabalho infantil pela escola Frei Silvio Vagheggi.

As professoras Sandra Lineia, da gerência de atividades complementares e programas especiais da Semed/Manaus; Ana Claúdia da Silva, da DDPM; e Ana Patrícia Silva, professora formadora do Centro Padre Anchieta, da SEDUC/AM, relataram a importância da formação dos professores pelo Projeto EDUMIGRA, uma demanda solicitada pelas escolas face a realidade por ter alunos venezuelanos na rede de ensino. Atualmente, segundo relatou Ana Claúdia, são 7 mil alunos estrangeiros na rede municipal de ensino. “É uma realidade o fluxo de migração e nós incorporamos o projeto EDUMIGRA no processo de educação continuada da SEMED por intermédio de duas frentes formativas na DDPM: Grupo colaborativo da diversidade e Grupo colaborativo FGE- Formação em Gestão Educacional”, explicou a professora.

Para a professora da SEDUC, Ana Patrícia, existe a possibilidade de tornar o EDUMIGRA um programa da secretaria, avançando para além de uma formação.

Projeto EDUMIGRA – Escravo, nem pensar!

O projeto tem o objetivo geral diminuir, por meio da educação, o número de trabalhadores aliciados para o trabalho escravo e submetidos a condições análogas à de escravidão. Especificamente o projeto sensibiliza e capacita gestores e técnicos pedagógicos da rede de ensino fundamental e média.

Como metodologia o projeto se dispõe a formar multiplicadores sobre o tema do trabalho escravo, alcançando outros educadores e envolvendo os alunos.