Trabalho escravo: auditores denunciam sucateamento e cobram novo plano
Confira aqui a matéria original na página da web do UOL.
Uma pessoa para fiscalizar mais de cem cidades, falhas na articulação com outros órgãos, falta de estrutura e desvalorização. Auditores que combatem o trabalho análogo à escravidão denunciam dificuldades para atuar devido ao sucateamento ocorrido nos últimos anos.
Eles também cobram a elaboração de um novo plano de erradicação para coordenar políticas públicas para o tema, cuja última edição é de 2008.
Os servidores são vinculados ao Ministério do Trabalho e Emprego e têm a função de fiscalizar as condições de trabalho. Desde 1995, quando o Brasil reconheceu diante das Nações Unidas a persistência de formas contemporâneas de escravidão e criou o sistema nacional de enfrentamento ao problema, mais de 60 mil pessoas foram encontradas por equipes de fiscalização.
A falta de pessoal impede ou atrasa a investigação de denúncias. Desde 2013 não é feito concurso público e há mais de 1.500 cargos vagos, o que representa quase 50% do total.
“É de se notar que estamos vivendo um estrangulamento. Sem auditor não há fiscalização e essa verificação tem que ser feita in loco, não se faz por email. Em Pernambuco, a gerência de Garanhuns tem 160 municípios sob sua circunscrição e um auditor. É muito angustiante quando não conseguimos fazer cumprir com nossos deveres legais.” Carlos Silva, vice-presidente do Sinait (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho)
Auditores relatam que a desvalorização se agravou nos governos Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL). Em 2017, ainda na gestão Temer, diante de cortes no orçamento, o dinheiro chegou a acabar.
No mesmo ano, uma portaria restringiu a definição de trabalho escravo, o que na prática dificultava a libertação de trabalhadores explorados. Diante da repercussão negativa, o governo recuou.
Bolsonaro defendeu empresários responsabilizados pelo crime e atacou equipes que resgatavam pessoas ao longo de seu mandato. A verba autorizada para fiscalização teve queda de 55% entre 2019 e 2022, segundo dados do governo publicados pela Repórter Brasil, em valores corrigidos pela inflação.
“Passamos [pelo governo Bolsonaro] como um estranho no ninho, sem qualquer atenção para uma pasta tão importante que era fiscalizar as condições de trabalho, de dignidade”, diz Silva.
A superintendência regional do trabalho em São Paulo também perdeu sua sede no período. “Deixamos o prédio que a gente ocupava, que era de livre acesso ao trabalhador, e fomos para o prédio da Receita. Um edifício de 11 andares passou a ocupar um andar”, relata a auditora Lívia Ferreira.
Os servidores também se queixam sobre o “protagonismo” dado aos órgãos policiais nas operações e se sentem desvalorizados. “Sem auditor não tem resgate completo. É ele quem faz cálculo de verbas rescisórias, libera guia do seguro-desemprego, emite documentação. A polícia está presente para a segurança dos envolvidos”, explica um servidor que pediu para não ser identificado.
Auditores também relatam um sentimento de frustração com o governo Lula. O secretário de Inspeção do Trabalho, responsável pela fiscalização do tema, só foi nomeado na última sexta-feira (17).
“Tem uma desmobilização grande e claro que isso tem relação com Bolsonaro e Temer, mas esse governo vai fazer cem dias e não vejo mudança.” Auditor que pediu para não ser identificado.
O UOL procurou o ministério, mas não teve retorno até a publicação desta reportagem.
Especialistas ressaltam a importância de um novo plano de erradicação ao trabalho análogo à escravidão. A primeira edição, publicada em 2003, apresentou medidas a serem cumpridas por diversos órgãos, sociedade civil e classe empresarial. A segunda e última edição é de 2008.
“O trabalho escravo mudou muito desde então, diversificou muito, aquela política que foi pensada lá atrás obviamente já não é tão adequada como era para aquele momento. Ela precisa de oxigenação, principalmente para atender assistência à vítima e prevenção.” Natália Suzuki, coordenadora do programa “Escravo nem pensar”.
O auditor Lucas Reis, que trabalhou em grupo de fiscalização por quatro anos, destacou que um novo plano deveria ser elaborado para contemplar as mudanças trazidas pela reforma trabalhista e a responsabilização de grandes empresas envolvidas direta ou indiretamente com trabalho escravo.
“Muitas vezes as grandes empresas subcontratam pequenas empresas que exploram trabalho escravo. No meu ponto de vista, a principal atualização que o plano e a legislação brasileira precisa abarcar é a responsabilidade das grandes empresas, das beneficiárias finais pela cadeia de produção”, afirma.
O governo vai fazer uma revisão do plano. O ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, disse ao site Congresso em Foco que se for verificado que a proposta não está sendo efetiva, um terceiro plano pode ser implementado.