Portaria do Ministério da Justiça possibilita a concessão de residência a vítimas de trabalho escravo e tráfico de pessoas
Normativa fortalece a proteção de imigrantes em situação de vulnerabilidade e amplia a garantia de acesso a direitos básicos desse grupo
O Ministério da Justiça e Segurança Pública publicou nesta terça-feira, 24/3, a portaria nº 87/2020 (clique aqui para acessar), que regulamenta a concessão de residência a imigrantes que tenham sido vítimas de trabalho escravo, tráfico de pessoas ou de outra violação agravada por sua condição migratória, como violência doméstica, cárcere privado, extorsão ou tortura. O requerimento para a concessão de residência deve ser apresentado à Polícia Federal, mediante anuência do imigrante, por alguma das seguintes autoridades públicas: membros do Ministério Público, defensores públicos e auditores fiscais do trabalho, membros do Poder Judiciário e delegados de polícia.
Os relatórios de fiscalização decorrentes das ações de resgate poderão ser anexados ao requerimento para comprovar a violação sofrida pelo imigrante. Além disso, também serão aceitos pareceres técnicos, inquéritos policiais ou denúncias em ação penal. O requerimento também deve ser acompanhado de formulário, cujo modelo se encontra no texto da portaria, além da declaração de ausência de antecedentes criminais e documentos de identificação, como documento oficial com foto e certidões de nascimento, casamento ou consular. A normativa dispensa a legalização dessas certidões e prevê a possibilidade de serem traduzidas pelo próprio imigrante ou por intermédio das autoridades públicas citadas acima. Elas poderão ser até mesmo dispensadas diante da impossibilidade de apresentação dessa documentação por parte da vítima.
A partir da solicitação, o imigrante receberá um protocolo que lhe garantirá a obtenção de documentação civil, como o CPF e a Carteira de Trabalho, e o acesso a serviços públicos, como educação, assistência social e saúde. Uma vez concedida a residência, a vítima poderá obter a Carteira de Registro Nacional Migratório, que atestará a regularização da sua condição migratória por prazo indeterminado.
A publicação da norma fortalece a proteção de imigrantes em situação de vulnerabilidade ao facilitar o seu acesso a direitos básicos. No início dos anos 2000, os trabalhadores resgatados foram, em alguns casos, ameaçados de deportação pelas autoridades públicas. Eram vistos erroneamente como “imigrantes ilegais”, termo conceitualmente equivocado e que acaba reforçando estereótipos e a própria condição de vulnerabilidade socioeconômica das vítimas.
De lá para cá, a discussão sobre direitos dos migrantes avançou muito, sobretudo quando o assunto envolve situações de exploração. Em 2017, é aprovada a Lei de Migração (Lei n. 13.445), que estabelece que as vítimas resgatadas do trabalho escravo e do tráfico de pessoas possuem direito à regularização migratória gratuita no Brasil. O artigo 30º incorporou em sua formulação o pressuposto de antigas normas administrativas do Conselho Nacional de Imigração (CNIg) que versaram sobre o mesmo tema. Contudo, até então, esse artigo havia não sido regulamentado, gerando um obstáculo no acesso ao direito da regularização para os migrantes resgatados. A portaria 87/2020, enfim publicada, preenche uma lacuna no enfrentamento desses crimes no Brasil e possibilita às vítimas um recomeço dos seus projetos de vida.