Portal Infosur Hoy: Informação contra escravidão
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O programa Escravo, Nem Pensar! leva informação para as comunidades que mais sofrem com o trabalho escravo, como esta da cidade de Palmeirante (TO). (Cortesia da ONG Repórter Brasil)
PALMAS, Brasil – Todas as crianças brasileiras aprendem nas aulas de História que a escravidão acabou em 13 de maio de 1888, quando a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea.
Mas, 124 anos depois, cerca de 20.000 trabalhadores ainda atuam em condições análogas à escravidão no Brasil, de acordo com o Ministério Público do Trabalho.
Em 2011, o governo federal resgatou 2.271 pessoas, sendo a maioria nos seis estados onde a situação é mais crítica: Tocantins, Bahia, Maranhão, Mato Grosso, Pará e Piauí.
Em 45 municípios destes estados, o governo conta com um aliado desde 2004: o programa Escravo, Nem Pensar!, da ONG Repórter Brasil, que usa a informação para combater o problema.
“Nosso foco é a prevenção. Identificamos as comunidades mais vulneráveis e, nelas, capacitamos professores e líderes comunitários”, diz a coordenadora do programa, Natália Suzuki, 28 anos. “Estas pessoas agem como multiplicadores da informação, que é peça fundamental no processo de combate à escravidão.”
Depois de formar mais de 2.000 professores e “agentes especiais” – todos voluntários –, o Escravo, Nem Pensar! foi considerado pelo governo federal, em 2008, o primeiro programa de prevenção à escravidão de âmbito nacional.
Multiplicadores
O Escravo, Nem Pensar! aposta na formação de professores e líderes comunitários. Na foto, eles leem a cartilha do programa em Pindaré Mirim (MA). (Cortesia da ONG Repórter Brasil)
Para difundir o conhecimento sobre trabalho escravo e também sobre tráfico de pessoas, o programa precisa do engajamento da comunidade, explica Natália.
Além da formação de educadores, a ONG produz materiais didáticos e ajuda a organizar concursos, festivais culturais e projetos comunitários ligados ao tema.
Em março, o programa lançou a cartilha “Tráfico de Pessoas, Mercado de Gente”, que aborda o tema do comércio ilícito de pessoas, principalmente a exploração de jovens no mercado de sexo. Um total de 5.000 exemplares foram distribuídos nos municípios onde o programa atua.
Em Santa Luzia, Maranhão, a professora Elbna Ferreira, 36 anos, tornou-se educadora do programa em 2006. Desde então, ela tem dado palestras em escolas e comunidades. A cartilha é útil, diz Elbna, porque traz sugestões de atividades para que professores possam abordar o tema em sala de aula.
“Mas o município de Santa Luzia é muito pobre. Conheço trabalhadores que foram resgatados e não tiveram outra opção senão voltar para as fazendas e serem submetidos novamente à escravidão”, lamenta Elbna.
A professora conta que o programa tem atingindo principalmente os “gatos”, homens que recrutam pessoas em regiões distantes do local da prestação de serviço, oferecendo vantagens de trabalho ilusórias.
Os “gatos” são os responsáveis pelo transporte, acomodação e alimentação dos aliciados. Todas essas despesas serão cobradas do trabalhador. Se algum deles quiser deixar o local, ele é informado de que está devendo e não poderá sair enquanto não pagar a dívida.
Carolina Motoki, 30, coordenadora regional do programa Escravo, Nem Pensar! em Araguaína (TO), diz que, depois da prevenção, é preciso trabalhar a inserção das pessoas vulneráveis ao mercado de trabalho. (Cortesia da ONG Repórter Brasil)
“Estas despesas nunca são quitadas. Dessa forma, o trabalhador fica preso”, explica Natália.
Graças às ações do programa, muitos pontos de aliciamento foram desativados, comemora Natália.
“Antes, o recrutamento era feito de forma muito pública”, lembra ela.
Problema arraigado
Um levantamento da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de 2011 mostra que mais de 50% das pessoas vítimas de trabalho escravo rural no Brasil são homens com até 30 anos e, em sua grande maioria, emigrantes do Nordeste brasileiro.
Sem oportunidade de trabalho, muitas pessoas não têm outra saída senão os serviços análogos à escravidão. Segundo a ONG Repórter Brasil, muitas destas pessoas não têm consciência de que estão sendo exploradas.
“Descobrimos que, em algumas cidades, o problema está arraigado, e que é comum pessoas aceitarem essas condições de trabalho que degradam os direitos humanos”, diz Natália.
Numa escola em Araguaína (TO), alunos mostram os trabalhos que fizeram em sala de aula sobre escravidão. (Cortesia da ONG Repórter Brasil)
A coordenadora do Escravo, Nem Pensar! explica que, ao enumerar e ensinar a reconhecer os problemas que envolvem o trabalho escravo – alimentação e alojamentos precários, falta de saneamento básico, maus tratos, violência e condições de trabalho degradantes aliados ao cerceamento da liberdade –, o programa ajuda muitas pessoas a perceberem que vivem esse tipo de exploração.
Voluntária no programa, a professora Maria do Rosário, 52, lembra que certa vez, após uma palestra, um homem se aproximou aos prantos dizendo que havia fugido de uma fazenda por ter sido submetido a este tipo de crime.
“Ele disse que tudo que eu tinha dito era como se estivesse contando a vida dele. Depois mostrou seu corpo todo rasgado de arame farpado, marcas da fuga”, lembra Rosário, que na época encaminhou a vítima o Ministério Público Federal.
Passo seguinte
A coordenadora regional do Escravo, Nem Pensar! em Araguaína, Tocantins, Carolina Motoki, 30, diz que o programa vai além do foco principal, a prevenção. O passo seguinte é a inserção no mercado de trabalho.
“Um simples curso profissionalizante não resolve o problema”, diz Carolina. “Apostamos na criação de cooperativas e outras formas de geração de renda.”
A Cooperativa para Dignidade do Maranhão (Codigma), em Açailândia, é um exemplo. Criada portrabalhadores que já foram explorados, a cooperativa fabrica um carvão ecológico (feito de pó de carvão vegetal) e proporciona renda para as famílias vulneráveis.
“São projetos como esses que queremos incentivar”, finaliza Carolina.