Portal DW: Apesar de avanços, Brasil ainda luta para combater trabalho escravo
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O país é considerado modelo no combate. Dificuldade na fiscalização e punição branda ainda são entraves. Votação de emenda constitucional contra trabalho escravo vem se arrastando há dez anos.
Apesar de ser considerado uma referência global quando se trata de combate ao trabalho escravo, o Brasil ainda precisa corrigir diversas falhas para acabar com a prática nos campos, nas indústrias e nas ruas das grandes cidades. Por falta de pessoal, praticamente metade das quase 600 denúncias recebidas anualmente pelos órgãos competentes ainda não chegam a ser apuradas. A punição é branda. A reincidência dos autores destes crimes é uma constante.
Uma das armas para reverter este quadro nas áreas rurais é a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 57A/1999, que tramita no Senado após aprovação na Câmara dos Deputados, no fim do mês passado. O texto da chamada PEC do Trabalho Escravo prevê o confisco de propriedades onde forem flagradas condições de desrespeito aos direitos humanos, seja submetendo a mão de obra a trabalhos forçados e jornadas exaustivas, seja oferecendo condições degradantes de trabalho.
A expectativa é de que a proposta seja votada nos próximos meses. A votação vem sendo arrastada há mais de dez anos, principalmente por pressão da bancada ruralista.
Punição mais dura
Uma punição mais dura é justamente uma das maiores cobranças da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre o governo brasileiro. “O senso de impunidade faz valer a pena o risco de ser flagrado”, ressalta Luiz Machado, coordenador do Projeto de Combate ao Trabalho Escravo no escritório da OIT no Brasil.
A entidade reconhece os esforços do país para combater a exploração de mão de obra, mas afirma que ainda é preciso avançar. Desde 1995, quando admitiu a existência de trabalho escravo em seu território, até hoje, o governo já resgatou 42 mil pessoas em situação de exploração laboral – quase todas no meio rural.
“Como esse é um crime invisível, isso demonstra que podemos estar vendo aí só a ponta do iceberg. Quantos outros milhares de trabalhadores estão submetidos a estas condições e não são resgatados?”, questiona Machado.
Ele ressalta que, apesar de o Artigo 149 do Código Penal determinar como pena a prisão, de 2 a 8 anos, dos responsáveis por “reduzir alguém à condição análoga à de escravo”, até hoje nunca houve uma condenação à detenção. Como a pena é baixa, muitas vezes ela é convertida para penas alternativas, avalia Machado.
Em outros casos, pela demora da definição da competência jurídica, os processos acabam prescrevendo. Há ainda os processos em que faltam os chamados “elementos probatórios” que corroborem a denúncia do Ministério Público. Sem conseguir convocar testemunhas, que se recusam a depor por medo, por exemplo, o processo acaba sendo arquivado.
Especialistas destacam ainda que relações criminosas entre os grandes empresários, os que mais infringem os direitos trabalhistas, e autoridades, especialmente nos pequenos municípios, também dificultam a aplicação da lei.
Coibir o aliciamento
A ONG Repórter Brasil, que acompanha as ações de combate ao trabalho escravo no Brasil, também defende que a aprovação da PEC do trabalho Escravo é fundamental para que o país não “dê vários passos para trás em suas conquistas”, como ressalta a coordenadora do projeto Escravo, nem Pensarda ONG, Natália Suzuki.
“A impunidade é uma das piores lacunas e um dos maiores desafios para o combate ao trabalho escravo no Brasil. E tem um efeito muito ruim que é a reincidência do criminoso. A pessoa não tem constrangimento nenhum em cometer o crime novamente. O fato de a Lista Suja ter vários empregadores reincidentes é sintomático disso”, acredita Natália, citando o cadastro de empregadores flagrados explorando trabalhadores. A lista conta com quase 300 nomes, incluindo empresários de ramos diversos e famílias de alto poder aquisitivo.
No entanto, a ONG concentra o foco no que chama de frente de prevenção ao crime. Segundo a ativista, o objetivo é conscientizar comunidades mais vulneráveis a aliciamentos. Muitas vezes a ação dos “gatos”, como são apelidados os aliciadores, acontece há tanto tempo que os moradores desses municípios sequer têm consciência de esta ser uma ação criminosa.
“Agimos com a autonomia das pessoas. Falta perceber que este tipo de aliciamento não é natural. Como essas relações de exploração sempre estiveram colocadas nessas comunidades, isso acaba sendo natural, introjetado na realidade do lugar”, explica Natália, relatando que as ações são feitas em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos. “Nossa função é tentar desmitificar isso, desconstruir essa visão de que isso é natural, disponibilizar instrumentos para que essas pessoas possam se mobilizar e resistir”.
Escravidão Urbana
Segundo o último relatório divulgado pela OIT, calcula-se que 20,9 milhões de pessoas no mundo são vítimas de trabalho forçado. Não há estimativas seguras sobre quantas pessoas ainda estariam submetidas a trabalho escravo no Brasil. Em média, cerca de 3 mil pessoas são libertadas no país todos os anos.
A maioria dos dados, no entanto, refere-se à exploração cometida na área rural. Segundo levantamentos, as principais atividades que empregam pessoas em regime de escravidão são a pecuária, plantações de soja, de cana-de-açúcar e carvoarias no sul do Pará, norte do Tocantins e norte do Mato Grosso. Recente estudo realizado pelas ONGs Repórter Brasil e WWF revelam, por exemplo, que a produção de ferro-gusa e aço no Brasil estão intimamente ligadas à devastação ambiental e ao trabalho escravo.
No entanto, vem crescendo o número de flagrantes nas grandes cidades. Grande parte dos explorados é de estrangeiros em situação ilegal no Brasil, o que faz com que sejam ainda mais vulneráveis, que trabalham sob condições precárias e vivendo em locais insalubres, privados da liberdade. A área onde eles mais estão concentrados é o setor têxtil.
“O trabalho escravo urbano ainda é algo muito novo para a gente. As denúncias vêm de muito pouco tempo, agora que o Estado começa a dar respostas”, afirma José Guerra, coordenador-geral da Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae). Ele ressalta que a prática do trabalho escravo envolvendo estrangeiros – bolivianos, em sua maioria – está atrelado a outro crime: o tráfico de pessoas.
Guerra admite que o número de auditores fiscais do trabalho, cerca de três mil, ainda é pouco para cobrir as denúncias em todo o território brasileiro. Mas ele defende que o governo vem tentando cobrir este lacuna abrindo concursos públicos para aumentar o número de agentes
A OIT considera ainda como formas contemporâneas de escravidão a exploração sexual comercial e a servidão doméstica, além de qualquer outra situação de exploração no trabalho que envolva cerceamento de liberdade.
Autora: Mariana Santos
Revisão: Carlos Albuquerque