EBC: “Não nos calemos”, diz boliviana resgatada em situação degradante
Confira aqui a matéria publicada originalmente na página da EBC, no dia 28/1/2021.
Especialistas apontam para necessidade de denúncia de trabalho escravo
Há 11 anos ocorria em São Paulo o primeiro resgate de trabalho escravo urbano no Brasil. Desde então, veio à luz uma prática que até então ficava às sombras: a exploração de mulheres em oficinas de costura. De lá pra cá, o país vem acompanhado diversos casos dessas mulheres que em busca de um futuro melhor acabam sendo obrigadas a enfrentar um cotidiano de violações à dignidade humana.
Só em São Paulo, do total de 430 trabalhadores resgatados, mais de 30% são mulheres. Entre elas, 93% são imigrantes. É o que aponta publicação produzida pelo programa educacional ”Escravo, nem pensar!”, ligado à ONG Repórter Brasil.
A imigrante boliviana Carla Soares, de 38 anos, nome fictício, é uma das vítimas. Ela veio em busca de trabalho no Brasil. Mas, encontrou jornadas exaustivas, maus tratos e uma rotina de assédio e ameaças.
Carla ganhava 15 centavos por cada peça costurada, sem direito a alimentação ou mesmo podia deixar o local de trabalho. Grávida, ela ainda sofria violência doméstica do marido. No limite do suportável, e quase sem esperança, conseguiu pedir ajuda e fez a denúncia. Se libertou do trabalho escravo e também do companheiro abusivo.
Na capital paulista diversas Ongs e Institutos dão apoio a essas mulheres. É o caso do Centro da Mulher Imigrante e Refugiada, que identifica as lideranças que moram na periferia da cidade e faz um trabalho de fortalecimento e empoderamento dessas imigrantes.
Soledad Requena, Coordenadora de Migração e Gênero, diz que denunciar ainda é difícil e que é preciso coragem e apoio do poder público, que nem sempre chega.
Ela acrescenta uma outra dificuldade: a cultural, onde a mulher imigrante não se percebe como trabalhadora escrava, barreira que tem que ser trabalhada.
O trabalho escravo está diretamente relacionado à vulnerabilidade econômica e a prática do dialogo com tráfico de pessoas. Graziella Rocha é coordenadora de projetos da Asbrad, uma organização que atua há 20 anos na promoção e defesa dos direitos humanos em todo Brasil. Ela explica que essas pessoas são chamadas de ”escravos da necessidade”, mas não as únicas vítimas.
Na avaliação da especialista Graziella Rocha, o acolhimento de mulheres nesta situação é uma lacuna em todo o Brasil. Segundo ela, há um déficit de abrigos e estrutura quando uma vítima é identificada e precisa de acompanhamento.
De histórias de exploração ao recomeço. De acordo com Soledad Requena, mesmo que o empoderamento seja um processo lento, hoje as próprias imigrantes vão se apropriando do assunto e ajudam umas as outras. Soledad, que acompanha de perto a realidade dessas mulheres, observa que vem crescendo na periferia a formação de oficinas de costura familiar.
E em casos como estes, todo recomeço vem ligado ao primeiro passo que é a denuncia. Carla Soares, a nossa personagem do inicio da matéria, hoje encoraja as conterrâneas e faz um apelo para que não se calem.
Denúncia contra trabalho análogo à escravidão pode ser feita pelo Disque 100 ou no site mpt.mp.br ou presencialmente nas procuradorias da Secretaria Nacional do Trabalho do Ministério da Economia ou nas superintendências regionais.