Ministro pede agilidade à Justiça por punição aos mandantes da chacina de Unaí: ‘São assassinos’

Confira aqui a matéria original publicada na web da Rede Brasil Atual.

Mesmo condenados, mandantes recorrem em liberdade. Um deles fez campanha para reeleger Bolsonaro

São Paulo – Em ato virtual para lembrar os 19 anos da chacina de Unaí, em Minas Gerais, autoridades, ativistas e fiscais disseram esperar que o episódio trágico não complete duas décadas sem que os mandantes – já condenados – estejam presos. O ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, foi explícito ao pedir às autoridades judiciárias que “pautem, tirem da gaveta, julguem, façam valer as condenações e mandem prender os mandantes”. É do interesse do Estado brasileiro, ressaltou.

“É preciso que a gente dê essa resposta”. disse ainda Marinho. “Não é para os familiares somente, é para a sociedade.” Mandantes também são assassinos, segundo o ministro. “É inadmissível que um crime dessa natureza vá completar duas décadas.”

Mortos a tiros

Durante toda a live, os nomes de Nelson, Eratóstenes, João Batista e Ailton foram sempre citados. Os três primeiros eram auditores-fiscais e o último, motorista do Ministério do Trabalho. Eles iriam participar de uma fiscalização em fazendas na região de Unaí em 28 de janeiro de 2004, mas foram emboscados e mortos a tiros ainda pela manhã em uma estrada secundária, consumando a chacina. A princípio, o alvo seria Nelson, mas diante da presença de quatro servidores, um dos mandantes determinou: “Tora tudo!”. Matem todos.

“Só vamos sossegar quando os responsáveis por esse bárbaro crime pagarem pelo que fizeram”, afirmou o presidente do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho (Sinait), Bob Machado. “Foram encurralados e mortos sem nenhuma chance de defesa”. completou o vice, Carlos Silva. “Apesar de condenados, (os mandantes) estão livres, soltos, até hoje. Executores cumpriram pena, já progrediram no regime de suas penas. Os mandantes, mesmo com os réus confessos, estão livres.”

Penas reduzidas

No ano passado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reduziu a pena de três condenados pelo crime, incluindo o empresário rural Norberto Mânica, irmão do ex-prefeito Antério, então no PSDB. Este passou por um segundo julgamento e teve a condenação reduzida de 100 para 64 anos. Mas continua respondendo em liberdade. Também em 2022, Antério Mânica fez campanha para o agora ex-presidente da República.

Durante a atividade, foi lançado livro escrito pela jornalista mineira Claudia Machado. Além de depoimentos, ela se debruçou sobre as 18.300 páginas do processo. “Eu torço pela punição verdadeira dos culpados”, disse Claudia. A obra sai em três idiomas.

Várias pessoas se emocionaram ao lembrar do episódio. Então superintendente regional do Trabalho em Minas Gerais, Carlos Calazans chorou ao lembrar, por exemplo, de retornar de Unaí para Belo Horizonte, na madrugada de 29 de janeiro, levando os quatro corpos para o velório. “O que nós temos é dor. São 19 anos das nossas vidas. Quantas famílias foram dilaceradas?”, disse Calazans, citando viúvas e órfãos. “Não vamos desistir. A gente acredita que ainda esses mandante vão pagar pelo que fizeram.” Amanhã haverá ato diante do Tribunal Regional Federal (TRF) de Belo Horizonte, em memória dos servidores e por justiça.

Violência e impunidade

O jornalista Leonardo Sakamoto, diretor da ONG Repórter Brasil, destacou a postura do ex-presidente de estímulo à violência, citando inclusive as recentes imagens de crianças indígenas famélicas e doentes. “O então presidente passou anos jogando garimpeiros, madeireiros, contra os Yanomami. Se você planta cuidado, colhe dignidade. Se você planta extermínio, colhe morte. (…) E não foi diferente com a fiscalização do trabalho nos últimos anos”, afirmou.

Ele deu como exemplo o episódio de um empresário rural do Ceará que reclamou por ter sido multado devido a infrações trabalhistas. Em pouco tempo, a própria conta do presidente da República foi inundada por seguidores favoráveis a ações violentas contra os fiscais. Assim, a chacina de Unaí mostrou “produtores rurais (que) acreditam que era possível enfrentar o Estado brasileiro matando os fiscais e saindo impunes” Não por acaso, completou Sakamoto, Antério Mânica pediu votos para reeleger Jair Bolsonaro.

Ambiente econômico saudável

O ministro Luiz Marinho lembrou que cobrar punições para quem pratica trabalho análogo à escravidão ou infantil não é retaliação. “O que nós desejamos é um ambiente saudável no mundo do trabalho. O Brasil é uma grande economia. Temos responsabilidade, social, ambiental, econômica.” Essas práticas, além de criminosas, acrescentou, prejudicam a própria economia brasileira, na medida em que expõe o país a sanções internacionais devido ao trabalho precários.

Para o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Lélio Bente, não há razão, juridicamente falando, para que o caso não tenha um desfecho. “Esse é um clamor das famílias, com toda certeza, do Sinait, mas do povo brasileiro”, afirmando, citando os ataques do último dia 8. Em razão dos atos antidemocráticos ocorridos aqui em Brasília, eu tenho lembrado sempre a frase escrita na pedra fundamental do edifício da OIT em Genebra: Se você quer paz, cultive a justiça. E quem afronta os agentes responsáveis pela imposição da lei precisa ser duramente punido.”

O 28 de janeiro tornou-se Dia Nacional do Combate ao Trabalho Escravo (Lei 12.064, de 2009) e também Dia do Auditor-Fiscal do Trabalho (Lei 11.905, do mesmo ano). No ano passado, 2.575 foram resgatadas de trabalho análogo à escravidão. Desde a formação dos grupos móveis de fiscalização, em 1995, o número passa de 60 mil.