Cana-de-açúcar lidera ranking de maranhenses escravizados, revela estudo inédito

Nota técnica lançada pelo programa de educação e políticas públicas da Repórter Brasil mostra que o Maranhão é o estado de onde sai o maior número de trabalhadores escravizados para outros lugares do país

O CULTIVO DE CANA-DE-AÇÚCAR é a atividade econômica com o maior número de trabalhadores do Maranhão resgatados do trabalho análogo à escravidão no Brasil entre 2014 e 2023. No mesmo período, Minas Gerais foi o principal destino de maranhenses escravizados. 

Esses são alguns dos dados de um levantamento inédito da Gerência de Educação e Políticas Públicas da Repórter Brasil, divulgado nesta terça-feira, 13 de maio, Dia da Abolição da Escravatura no Brasil. 

A nota técnica “Perfil resgatado. Rotas migratórias e a morfologia do trabalho escravo no Brasil. O estado do Maranhão” apresenta e analisa os principais fluxos migratórios dos trabalhadores escravizados maranhenses e informações atualizadas sobre os perfis dessas vítimas. O documento faz parte de um projeto realizado em parceria com a Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego.

“A relação entre vulnerabilidade socioeconômica e suscetibilidade a situações de exploração laboral é direta. Por isso, não é de surpreender que o Maranhão tenha sido o principal emissor de trabalhadores escravizados para outros lugares do país”, diz o estudo, destacando que o estado tem um dos piores IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do Brasil. 

Entre 2003 e 2023, 9.580 dos 45.740 trabalhadores resgatados em todo o Brasil eram do Maranhão – 21% do total. A nota técnica da Repórter Brasil analisou o perfil de 87% (8.334, em números absolutos) dessas vítimas maranhenses. 

Segundo o levantamento, entre 1995 e 2023, a pecuária lidera o ranking das atividades econômicas com maior concentração de trabalhadores do estado, com 35%, seguido da cana-de-açúcar, com 28%. No entanto, se levado em conta o decênio 2014-2023, a cana assume a ponta, com 20%, seguida da construção civil (18%) e da pecuária (14%).

Houve mudanças também em relação aos principais destinos de maranhenses escravizados. Considerando o período entre 1995 e 2023, o Pará é o estado que mais recebeu esses trabalhadores (36%). Em seguida, aparecem o próprio Maranhão (20%), Goiás (12%) e Mato Grosso (11%). Já entre 2014 e 2023, Minas Gerais lidera, com 27%. O estado do Sudeste é seguido por Maranhão (25%), Goiás (15%) e Pará (8%).

Homens pardos são maioria entre os maranhenses resgatados

Ainda de acordo com o estudo, no intervalo entre 2014 e 2023, 67% das vítimas eram pardas, 20% pretas e 12% brancas. Os dois últimos números destoam em comparação com o último censo do IBGE, de 2022, que apontou que, além de 66,4% de pardos, a população do Maranhão era composta por 12,6% de pretos e 20,1% de brancos, entre outras raças/cores.

Os dados mostram também que, entre os trabalhadores maranhenses resgatados de 2014 a 2023, 93% eram homens e 7% eram mulheres. De 2003 a 2023, essa proporção era de 96% e 4%, respectivamente. 

Segundo a nota técnica, o aumento do percentual de mulheres resgatadas acompanha a tendência nacional, podendo indicar “uma mudança de percepção da sociedade e do Estado a respeito de trabalhos, como o doméstico e de cuidados, geralmente desempenhados por mão-de-obra feminina, mas que são invisibilizados. Como decorrência, nos últimos dez anos, há maior frequência de resgates de trabalhadoras nesses setores”, explica o documento. “A título de exemplo, entre 2014 e 2023, 27% das maranhenses resgatadas eram cozinheiras.”

Trabalho escravo em território maranhense

O Maranhão figura na quinta colocação do ranking de estados onde trabalhadores foram resgatados desde 1995, com 3.734 vítimas. “A dinâmica econômica do trabalho escravo no Maranhão se alterou no último decênio. A exploração esteve concentrada na pecuária, que representava 68% dos resgates em toda a série histórica [1995-2023]. Essa atividade perdeu protagonismo na última década, caindo para 32%. Em contrapartida, setores como a construção civil e a produção de carvão vegetal dobraram sua participação, alcançando 16% cada”, analisa o estudo. 

Outras atividades também chamam a atenção pelo crescimento na participação no total de resgates, como o extrativismo vegetal, que foi de 1% para 8%, e a soja, que passou de 2% para 6%. Segundo o documento, o aumento identificado no cultivo de soja está diretamente relacionado à sua expansão no Matopiba, área que abrange partes do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. 

“Nessa região, o desmatamento avança sobre o Cerrado para dar lugar a latifúndios de soja, gerando impactos socioambientais e ocorrendo por meio da exploração de trabalhadores, especialmente na construção de cercas e na limpeza do solo para o plantio”, analisa a nota técnica.

Acesse a nota técnica na íntegra aqui.

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