ENP! fala sobre filme do Netflix que aborda trabalho escravo na cidade
Confira aqui a matéria publicada no site Ecoa (UOL)
O filme “7 Prisioneiros” estreou em 11 de novembro e já é o segundo mais visto em língua não inglesa na plataforma Netflix, somando quase 10 milhões de horas assistidas só na primeira semana. Com direção de Alexandre Moratto, a história conta a vida de Mateus (Christian Malheiros), que, junto com um grupo de jovens, sai do interior do Estado de São Paulo e migra para a capital para trabalhar em um ferro velho. Lá, eles acabam caindo em uma rede de trabalho análogo ao de escravo e tráfico de pessoas liderada por Luca (Rodrigo Santoro).
O filme, que retrata essa realidade presente em muitos centros urbanos, teve como inspiração a história de Josep, um imigrante boliviano que ficou preso em uma oficina de costura por seis meses na capital paulista. Ele faz uma participação no longa como o personagem Romeo. “A história dele é muito forte, muito impactante. Lembrou a gente todos os dias no set sobre por que estávamos fazendo esse filme. Eu fiz questão de ele falar com o resto do elenco para todo mundo ouvir a história”, disse o diretor ao UOL em novembro.
Fatores de risco
Segundo Natália Suzuki, cientista política pela Universidade de São Paulo e coordenadora do projeto educacional da Repórter Brasil, o programa “Escravo, nem pensar!”, o isolamento é um aspecto bastante predominante no perfil de pessoas em condição de trabalho análogo ao de escravo, sobretudo porque elas estão longe de sua rede de proteção. “Tem essa questão do isolamento geográfico, da pessoa ser transportada para lugares distantes, e tem também o isolamento cultural”, relata.
Ela conta também que, segundo o perfil traçado de trabalhadores nas condições de exploração em casas de costura de São Paulo, muitos são imigrantes latinoamericanos. Para a cientista política, a dificuldade de comunicação é um impeditivo para saírem dessas condições. “Tem muitos imigrantes bolivianos que só falam quechua”, exemplifica.
O trabalho escravo no contexto urbano é mais frequente no setor têxtil, no trabalho doméstico, em serviços ambulantes e na construção civil — este último com maior predominância de migrantes internos, segundo informações do programa “Escravo, nem pensar!”.
Em 2019, dados do Ministério Público do Trabalho (MPT) registraram 120 pessoas encontradas em situação de trabalho análoga ao de escravo no contexto urbano. Em 2021, o MPT-SP registrou 266 denúncias, 19 ações civis públicas e 43 termos de ajuste de conduta (acordos), para todo o Estado.
Atualmente, o Maranhão, a Bahia, o Pará e Minas Gerais são os Estados com mais casos de trabalhadores em condições de exploração no contexto urbano. De acordo com Natália, “são lugares que ainda têm bolsões de pobreza e acabam sendo focos de aliciamento pela lógica de que qualquer trabalho é melhor do que nenhum trabalho”. O perfil de trabalhadores explorados denuncia resquícios do período escravocrata, além de uma “herança maldita em relação à questão socioeconômica: é de geração em geração que a pobreza vai passando”.
A cientista política também comenta que a maior parte dos trabalhadores adultos em condições de exploração foram trabalhadores infantis. “A média de ingresso de trabalhador que está em condição de trabalho escravo é de 11 anos, é muito cedo”, comenta. Outro dado importante é de que 53% são pretos ou pardos, cerca de 3% indígenas e 95% homens. “Em relação às mulheres, muitas vezes não notamos que elas estão em condição de exploração, pois muitas vezes estão sendo exploradas como trabalhadoras domésticas”. Por essa razão, ela explica, é possível que haja uma subnotificação dos casos.
A ‘lista suja’ do trabalho escravo criada em 2003 pelo Ministério do Trabalho divulgou que, de janeiro a setembro de 2021, 1.015 pessoas foram resgatadas de 92 empresas. Os setores de construção civil, mineradoras e agricultura estão entre os que predominam na lista das empresas denunciadas. As informações são do Radar SIT, o Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil.
O filme retrata nas personagens, cenas e roteiro todas essas especificidades, e traz um elemento particular: o conflito de Mateus, que é tentado a se aliar aos sequestradores. Mas esse desfecho você pode acompanhar assistindo ao filme e prestigiando o cinema nacional,
além de conhecer um pouco mais sobre o assunto.