Trabalho escravo contemporâneo Para começo de conversa: O trabalho como direito humano O que é trabalho escravo contemporâneo? Onde acontece o trabalho escravo? O trabalho escravo contemporâneo no mundo Como o trabalhador se torna escravo? Quem escraviza no Brasil? A trilha da liberdade Repressão ao trabalho escravo no Brasil O ciclo do trabalho escravo Rompendo o ciclo da escravidão Ações de combate ao trabalho escravo Combatendo o trabalho escravo pela educação
Para começo de conversa: O trabalho como direito humano Você já pensou sobre o que é “trabalho”? Apresentaremos algumas imagens para refletirmos sobre isso. Arraste o varal para o lado direito para ver todas as imagens. TRABALHO dignidade realização transformação criatividade exploração alienação desvalorização cansaço Arraste as palavras para ver os aspectos do trabalho. O trabalho pode adquirir conteúdos positivos e negativos. Por um lado, ele é um direito humano, que garante nossa sobrevivência material e faz parte da nossa identidade. Por outro, pode ser alvo de muitas violações e fonte de opressão. Assim, nem sempre o trabalho está relacionado à dignidade, satisfação ou realização pessoal. Uma das piores formas de exploração de trabalhadores é o trabalho escravo contemporâneo. Veremos a seguir, com mais detalhes, o que é essa violação de direitos humanos. Direitos humanos são direitos e liberdades a que todos devem ter acesso, não importa quem é o indivíduo nem onde ele vive. O artigo 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) reforça a ideia de que as pessoas devem ter a possibilidade de escolher e exercer livremente uma atividade em condições dignas: §1º. Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. §2º. Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. §3º. Toda pessoa que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social. §4º. Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e neles ingressar para proteção de seus interesses. imprimir esta página
O que é trabalho escravo contemporâneo? A Lei Áurea, de 13 de maio de 1888, decretou o fim do direito de propriedade de uma pessoa sobre outra no Brasil. Apesar disso, o trabalho escravo ainda existe no país. De 1995 a 2014, mais de 47 mil brasileiros foram resgatados da situação de escravidão. Os vídeos abaixo são trechos do programa “A Liga”, exibido pela TV Bandeirantes em 2011. Eles mostram exemplos recentes de trabalho escravo nas zonas rural e urbana. Fiscalização de caso de trabalho escravo na produção de carvão vegetal, no Pará Fiscalização de caso de trabalho escravo na construção civil, em São Paulo Os elementos do trabalho escravo A partir das condições mostradas pelo programa “A Liga”, você consegue identificar os elementos que caracterizam o trabalho escravo contemporâneo? Clique naqueles que descrevem a situação vivenciadas pelos trabalhadores escravizados na reportagem. Alimentação inadequada Colchão duro Dívida ilegal Falta de assinatura na carteira de trabalho Falta de assistência médica Falta de copos plásticos Alojamento precário Falta de saneamento básico e higiene Isolamento geográfico Jornada exaustiva Maus tratos e ameaças Não pagamento de horas extras Retenção de documento Retenção de salário Salários baixos Muitos trabalhadores são obrigados a viver em barracos de lona em chão de terra ou casas superlotadas nos locais de trabalho. Há vezes em que são fornecidas camas, mas sem o colchão. Em outras situações, os colchões são insuficientes para o número de trabalhadores. Já houve flagrantes em que os trabalhadores foram obrigados a dormir em currais, como esse caso em Goiás. A matéria “Em Goiás, fiscalização resgata trabalhadores que viviam em curral” trata de uma libertação ocorrida em abril de 2012 no município de Rio Verde. Os trabalhadores não recebem os devidos equipamentos de proteção individual, ficando com a saúde e a segurança em risco. Quando se machucam ou adoecem, não costumam receber assistência médica. A matéria “Fiscais do MPT encontram trabalhador ferido em fazenda no interior de MT” relata o caso de um homem que usava apenas um pedaço de tecido para segurar o dedão com corte profundo, que por pouco não foi decepado. Dificilmente os trabalhadores escravizados recebem comida suficiente para renovar as suas forças. Não raro, eles acabam bebendo água suja e a comendo alimentos estragados, como foi o caso de sete trabalhadores libertados em uma fazenda pertencente ao herdeiro do grupo frigorífico Bertin, revelada nesta matéria da Repórter Brasil. Nos flagrantes de trabalho escravo na zona rural, é comum que o córrego de onde se retira a água para cozinhar e beber seja o mesmo em que se toma banho e se lavam a roupa, as panelas e os equipamentos utilizados no serviço. Não há banheiros com água encanada. Mesmo na zona urbana, os trabalhadores podem enfrentar situações de falta de saneamento básico e higiene. A matéria “Costureiras são resgatadas da escravidão em ação inédita” revela que as trabalhadoras eram obrigadas a tomar banho frio no inverno, em duplas, em até cinco minutos. É aquela jornada em que o tempo de descanso não é suficiente para que a pessoa consiga recuperar suas forças para a jornada seguinte, por causa do desgaste provocado pelas condições de trabalho. Extrapola-se o limite estipulado pela legislação e sem o pagamento de horas extras. Há casos em que o descanso semanal não é respeitado. Assim, o trabalhador também fica impedido de ter vida social e familiar. A matéria “MPF denuncia donos de uma empresa de transporte de valores por trabalho escravo” conta o caso de trabalhadores que chegavam a trabalhar mais de um dia seguido, com poucas horas de descanso entre as jornadas. Humilhações verbais e uso de violência física também são formas de intimidar os trabalhadores. Castigos e punições são outras formas de coagir os trabalhadores que reclamam das condições a que estão submetidos ou que tentam fugir, servindo de “exemplo” para reprimir os outros. A matéria “Trabalhadores são resgatados da escravidão em obra da fábrica da Ambev em Minas Gerais” conta como esses operários eram agredidos com socos e ameaçados com revólver e faca. A chamada servidão por dívida é uma situação frequente nos casos de trabalho escravo contemporâneo. O trabalhador já chega ao local de trabalho devendo a passagem que usou para sair de sua cidade e chegar ao local do trabalho. E sua dívida (ilegal) aumenta diariamente com a cobrança abusiva por alimentação, alojamento e equipamentos de trabalho, por exemplo. A matéria “Servidão por dívida caracteriza o trabalho escravo no Brasil, diz coordenador do ministério” traz informações do então coordenador especial de Fiscalização Móvel do Ministério de Trabalho e Emprego, Marcelo Campos. Quando chega o final do mês, o empregador diz que o salário só será pago no término da empreitada, o que obriga os trabalhadores a permanecerem no local de serviço com a esperança de que um dia receberão. A matéria “RMC tem nova denúncia de trabalho escravo” trata da libertação de 26 operários que trabalhavam sem receber qualquer pagamento. O empregador que utiliza mão de obra escrava retém ilegalmente documentos dos trabalhadores, especialmente a carteira de trabalho, com a desculpa de que irá assiná-la. Sem os documentos, fica ainda mais difícil a fuga do trabalhador escravizado. A matéria “Fraude em documentos escondia trabalho escravo no interior de São Paulo” revela que 26 trabalhadores escravizados em fazenda de tomate tiveram as carteiras de trabalho retidas pelo empregador. Os trabalhadores escravizados podem ser levados para áreas muito distantes de sua cidade ou em regiões de difícil acesso, sem comunicação com suas famílias. Esse isolamento geográfico é comum principalmente nos casos de trabalho escravo na zona rural. Mas, mesmo em cidades, o migrante que se torna escravo pode sofrer com o isolamento cultural A matéria “Deputado ruralista se choca com trabalho escravo no Pará” trata de um flagrante em fazenda de difícil acesso. A matéria ” ‘Se não conhecíamos nada da cidade e da língua, fugiríamos para onde?, diz migrante vítima do tráfico de pessoas” traz o depoimento de boliviano “vendido” no centro de São Paulo. A dignidade e a liberdade do trabalhador Os elementos que caracterizam o trabalho escravo, que você assinalou acima, afrontam dois aspectos do indivíduo: a dignidade e a liberdade. Quando uma pessoa tem a sua dignidade ferida ou a sua liberdade restringida, reconhecemos que os seus direitos humanos estão sendo gravemente violados. De acordo com a seleção dos elementos que definem o trabalho escravo, como você os classifica no diagrama abaixo? Use o mouse para levar cada ficha até o seu local correto. Dívida ilegal Falta de assistência médica Jornada exaustiva Maus tratos e ameaças Retenção de documento Trabalho escravo Supressão da dignidade Alojamento precário Falta de saneamento básico e de higiene e/ou Privação da liberdade Retenção de salário Isolamento geográfico Mas tudo é trabalho escravo contemporâneo? Já vimos que o trabalho escravo contemporâneo se caracteriza pela supressão da dignidade e/ou privação da liberdade do trabalhador. Há violações dos direitos trabalhistas que, isoladamente, não bastam para configurar situações de trabalho escravo como, por exemplo, a falta de registro em carteira de trabalho, baixa remuneração, horas extras não remuneradas, doenças ocupacionais e assédio moral. A reportagem “Teles e bancos superexploram operadores de telemarketing, aponta fiscalização” mostra alguns casos envolvendo esses abusos trabalhistas. Isso não significa que elas não sejam graves e que não mereçam ser combatidas, mas é importante entender bem a diferença para evitar generalizações equivocadas. Veja aqui um caso em que essas distinções são feitas. O texto “C&A não foi condenada por trabalho escravo”, do Blog do Sakamoto, explica por que esse caso não foi classificado como trabalho análogo à escravidão. Trabalho escravo contemporâneo x escravidão colonial e imperial A música Olodumaré, escrita por Antônio Nóbrega e Wilson Freire e gravada no albúm “Madeira que cupim não rói” (1987), remete a um tipo de escravidão. A canção remete a qual época e tipo de escravidão? Com base nessa música, vamos preencher o quadro abaixo, que sintetiza as principais semelhanças e diferenças entre a escravidão antiga e a contemporânea? Clique na alternativa correta. Brasil Antiga Escravidão Escravidão contemporânea Propriedade de uma pessoa sobre a outra Permitida Proibida Permitida Proibida Custo de aquisição de mão de obra Alto Muito baixo A riqueza de uma pessoa podia ser medida pela quantidade de escravos. Segundo uma estimativa, em 1850, um escravo era vendido por uma quantia equivalente a R$ 120 mil. Alto Muito baixo Não há compra e, muitas vezes, gasta-se apenas com o transporte, cobrado posteriormente do trabalhador. Prazo para obter lucros Longo prazo Curto prazo Havia custos com a manutenção dos escravos. Longo prazo Curto prazo Se o trabalhador fica doente ou se acidenta, por exemplo, pode ser mandado embora, sem nenhum direito. Disponibilidade de mão de obra Variável Abundante Dependia de tráfico negreiro, prisão de índios ou do nascimento de filhos dos escravos Variável Abundante Um grande número de trabalhadores desempregados faz com que a reposição da mão de obra seja muito barata e rápida. Tempo de relacionamento Longo período Curto período A vida inteira do escravo e até de seus descendentes. Longo período Curto período Terminado o serviço, não é mais necessário prover o sustento. Diferenças étnicas Relevantes Pouco relevantes Determinantes para a escravização do indivíduo. Relevantes Pouco relevantes Os escravos são econômica e socialmente vulneráveis, independentemente da cor da pele. No entanto, apesar de as diferenças étnicas não serem determinantes para a escravização hoje, grande parte dos escravos libertados pela fiscalização são afrodescendentes, o que é um indicador da falta de políticas públicas para a justiça social e econômica desse grupo após a abolição. Manutenção da ordem Ameaças, violência psicológica, coerção física, punições exemplares e até assassinatos Ameaças, violência psicológica, coerção física, punições exemplares e até assassinatos imprimir esta página
Onde acontece o trabalho escravo? O trabalho escravo contemporâneo está presente em todas as regiões brasileiras, na zona urbana e na rural. Contudo, há estados em que a ocorrência do crime é mais frequente. O mapa interativo apresenta a distribuição dos flagrantes de trabalho escravo nos estados brasileiros entre 1995 e 2013. Cada ponto vermelho se refere a um local onde trabalhadores foram libertados pelos agentes do governo. O tamanho dos pontos é proporcional à quantidade de trabalhadores resgatados em cada flagrante, ou seja, quanto maior o ponto, significa que houve mais pessoas libertadas lá. para refletir Com a ajuda do mouse, mantenha o filtro “Unidades da Federação” com a opção “Tudo”. Assim, aparecerão os dados de todos os estados. Vá até o filtro “Ano” e, lentamente, deslize a seta da esquerda (começando em 1995) até o final à direita (2013). Você consegue perceber como a concentração dos flagrantes de trabalho escravo muda ao longo dos anos? Inicialmente, qual região apresentava mais casos? Onde os flagrantes mais recentes estão localizados? Saiba mais sobre a geografia da exploração. No começo dos anos 2000, os flagrantes de trabalho escravo eram concentrados principalmente nas áreas de expansão da fronteira agrícola, na Amazônia. Primeiro porque a expansão desenfreada da pecuária e dos cultivos de soja impulsionou o desmatamento, atividade que, pela sua rusticidade e precariedade, contou com a exploração da mão de obra escrava. O segundo motivo se refere à dinâmica da fiscalização. No início das ações, as operações estavam voltadas a fiscalizar propriedades da zona rural. Nos últimos anos, começaram a surgir denúncias de trabalho escravo na zona urbana também, e a fiscalização nas cidades se intensificou. Em 2013, pela primeira vez, o número de casos de escravidão urbana ultrapassou o de escravidão na zona rural. Como a exploração do trabalho escravo é uma atividade clandestina, ela só é registrada a partir dos flagrantes. Isso, em partes, explica o fato de os casos aparecerem em outras regiões do país, especialmente o Sudeste. Na reportagem da Repórter Brasil, “Escravidão urbana passa a rural pela primeira vez”, você confere os dados estatíticos dessa informação. Atividades econômicas e trabalho escravo Número de trabalhadores libertados por atividade econômica (2003–2014) Fonte: Comissão Pastoral da Terra para refletir Em quais atividades houve mais pessoas libertadas do trabalho escravo contemporâneo? Por que isso acontece? Atividades econômicas e trabalho escravo na zona rural Há uma forte conexão entre o trabalho escravo na zona rural e a destruição do meio ambiente. Quando a fronteira agrícola avança, muitas vezes leva consigo crimes ambientais e sociais, inclusive a exploração da escravidão contemporânea. Região de fronteira entre os empreendimentos agropecuários e a floresta nativa. É a região que é desmatada toda vez que há avanço das áreas destinadas a lavouras ou pastagens. Não por acaso, portanto, são comuns os flagrantes de trabalho escravo na pecuária no sul e sudeste do Pará e nas plantações de soja no norte do Mato Grosso, por exemplo. O Pará, aliás, lidera o triste ranking do trabalho escravo no Brasil. O Pará é o estado em que já houve mais trabalhadores libertados do trabalho escravo desde 1995, quando foi criado o sistema público de combate a esse crime no Brasil. Os flagrantes se concentram no sul do estado, especialmente em atividades ligadas à pecuária, como o chamado “roço da juquira” (limpeza da vegetação rasteira que invade a pastagem). Estados Trabalhadores libertados (1995-2014*) (%) 1. PA 12.880 26,2 2. MT 5.949 12,1 3. GO 3.872 7,9 4. MG 3.222 6,6 5. BA 3.129 6,4 6. MA 3.116 6,3 7. TO 3.020 6,1 8. MS 2.543 5,2 9. RJ 1.933 3,9 10. SP 1.721 3,5 11. PR 1.362 2,8 12. ES 1.115 2,3 13. AL 936 1,9 14. PE 794 1,6 15. SC 770 1,6 16. RO 746 1,5 17. PI 677 1,4 18. AM 438 0,9 19. CE 428 0,9 20. RS 259 0,5 21. AC 95 0,2 22. PB 48 0,1 23. RN 36 0,1 24. RR 27 0,1 25. AP 26 0,1 Brasil 49.142 100 *até junho de 2014 O encarte "Trabalho escravo e destruição do meio ambiente" traz um infográfico que cruza dados de crimes ambientais e escravidão contemporâneo nos biomas brasileiros. A matéria "Fazendas de pecuária na Amazônia concentram mais de um terço das libertações de escravos" explica por que há tanta exploração nas fazendas de gado do sul e sudeste do Pará. mergulhando no assunto Cana-de-açúcar Em 2008, as fiscalizações de trabalho escravo se concentraram na colheita da cana-de-açúcar, atividade que tradicionalmente emprega muita mão-de-obra. Além disso, havia (e ainda há) pressão internacional para melhorar as práticas trabalhistas no setor que fornece a matéria-prima do etanol brasileiro, considerado um combustível sustentável. O corte manual da cana de açúcar é uma atividade desgastante. O sistema de remuneração é perverso e prejudicial à saúde do trabalhador: ele recebe por produtividade. Isso significa que quem corta pouca cana ganha mal e corre o risco de não ser readmitido nas próximas safras. Essa pressão acaba levando muitos trabalhadores ao limite do esforço físico. A reportagem da TV Brasil traz o relato da esposa de um trabalhador da cana, que morreu por exaustão: Série “Trabalhadores dos canaviais – episódio 3: Viúvas da Cana” (6min24s) Produção: TV Brasil Para saber mais, acesse o fascículo "As condições de trabalho no setor sucroalcooleiro" Atividades econômicas e trabalho escravo na zona urbana Em 2013, um fato novo aconteceu: pela primeira vez desde que os dados sobre libertações começaram a ser compilados, o número de trabalhadores resgatados do trabalho escravo contemporâneo em atividades urbanas superou o de libertados no campo. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), que sistematizou as informações fornecidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), 53% das pessoas libertadas em 2013 trabalhavam na zona urbana. A construção civil foi a maior responsável por isso, sendo o setor da economia brasileira com mais casos de resgates nesse ano: foram 858 libertados, ou 38% do total, conforme mostra o gráfico abaixo. Na publicação "As condições de trabalho na construção civil" apresenta um panorama dos trabalhadores desse setor econômico no Brasil. mergulhando no assunto Setor têxtil Em 2011, auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego identificaram casos de trabalho escravo na cadeia produtiva de uma grande marca de roupas. Veja a realidade a que estavam submetidas essas pessoas na reportagem do programa “A Liga”, da TV Bandeirantes: A matéria mostra bolivianos vítimas do trabalho escravo que prestavam serviço, de forma terceirizada, para marcas famosas da indústria da moda. A terceirização e a exploração da mão de obra de migrantes estrangeiros em situação de vulnerabilidade são características recorrentes dos casos de escravidão contemporânea no setor têxtil. Utilizada para cortar custos e tentar fugir das responsabilidades trabalhistas, a terceirização é vista como uma das principais causas da deterioração das condições de trabalho em diversos setores. Em geral, ela é uma prática irregular, porque a Justiça do Trabalho determina que uma empresa não pode contratar outra para desempenhar a chamada “atividade-fim”. Isso significa que uma construtora não poderia terceirizar a contratação de operários nem a indústria da moda subcontratar empresas para a confecção de suas roupas, por exemplo Em geral, esses trabalhadores vêm da Bolívia, Paraguai e Peru. No Brasil, principalmente na cidade de São Paulo, eles moram no mesmo local em que trabalham, em confecções de costura clandestinas, em condições precárias. Cumprem uma jornada exaustiva e, ainda assim, não conseguem pagar a dívida ilegal cobrada pelo aliciador. Nos últimos anos, foram registrados muitos outros casos de trabalho escravo em oficinas. Confira o especial "Flagrantes de trabalho escravo na indústria têxtil no Brasil". imprimir esta página
O trabalho escravo contemporâneo no mundo O trabalho escravo contemporâneo está presente em quase todos os países, sejam eles pobres ou ricos. Segundo as estatísticas da Organização Internacional do Trabalho (OIT), há pelo menos 20,9 milhões de pessoas escravizadas no mundo. A OIT tem duas convenções sobre o tema, assinadas por diversos países, inclusive o Brasil. São a Convenção 29, de 1930, e a Convenção 105, de 1957, que estabelecem que os países signatários se comprometem a eliminar todas as formas de trabalho obrigatório ou forçado, sejam elas de origem privada ou por parte de governos. A OIT é uma agência da ONU, fundada em 1919, que tem o objetivo de promover a justiça social. Ela atua no Brasil desde 1950 e, em 2002, iniciou um projeto para ajudar as instituições nacionais a erradicar o trabalho escravo. As convenções são documentos pelos quais os governos dos países assumem um compromisso. No Brasil, nossa Constituição prevê que uma vez assinados, os acordos internacionais passam a compor a legislação interna do país. Aqui você encontra o texto completo da Convenção Relativa ao Trabalho Forçado ou Obrigatório. Aqui você encontra o texto completo da Convenção Relativa à Abolição do Trabalho Forçado. imprimir esta página
Como o trabalhador se torna escravo? Valdeni Medeiros da Silva é um trabalhador do campo que já sentiu na pele o trabalho escravo. Leia um trecho de seu depoimento: “Meu nome é Valdeni, nasci em Colinas, norte do estado do Tocantins. Só tive mãe, não conheci meu pai. Tenho oito irmãos. Morei na terra de um padrasto durante um bom tempo, até chegar uma idade de 18 a 20 anos. (…) Não tinha estudo, então comecei a trabalhar na juquira [limpeza de pasto] praa poder manter a despesa da cidade pois não tinha mais onde plantar. (…) Rocei muita juquira, me desgastei, senti que não aguentava mais fazer o serviço adequado que os fazendeiros exigiam. Os patrões eram muito durões. (…) Eu fui trabalhar uma certa vez para um fazendeiro. Depois que eu tinha feito todo o serviço, me pagou menos da metade do prometido, ainda cobrando as passagens de ida e volta. E disse que não pagava mais, porque eu já tinha ganhado muito, e que não adiantaria eu ir procurar a Justiça ou advogado, porque advogado não ia advogar para gente pobre. Não tinha conhecimento dos meus direitos, recebi o pouco que ele quis pagar e fiquei quieto. Eu simplesmente ficava calado. Sentia um pouco de raiva, mas não poderia fazer nada. Também tinha medo de falar mais sério pra ele. Falava algumas vezes para gente que peão era do jeito dele. Então, devido não ter conhecimento, terminava me humilhando e ficando quieto. Assim não foi só para um, mas para vários fazendeiros. Fui muito, muito escravizado na época. Mas eu não sabia. Para mim, viver naquele tipo era a maneira que tinha que viver mesmo, não tinha noção do trabalho escravo. Para mim, era normal viver aquilo.” para refletir O que levou Valdeni a trabalhar para vários fazendeiros sem receber por seus direitos? Aceitar um trabalho árduo e longe do seu lar, muitas vezes, parece ser a única opção para as pessoas que estão sem nenhum recurso para sustentar a si e a sua família. Além disso, muitas vezes, o trabalhador desde muito cedo está acostumado a condições de trabalho difíceis. Quando uma pessoa faz uma oferta de trabalho, ele acaba aceitando sem pestanejar. Em alguns casos, ele é ludibriado; em outros, informa-se mal sobre o trabalho que aceitou. Geralmente, quem é responsável por esse tipo de proposta são os gatos, ou seja, intermediários do empregador que recrutam migrantes para frentes de trabalho distantes de sua cidade de origem. O recrutamento mediante uma oferta enganosa de trabalho é chamado de aliciamento. O aliciamento é crime, previsto pelos artigos 206 e 207 do Código Penal. A situação de vulnerabilidade socioeconômica do trabalhador é uma das principais razões para ele acreditar em uma proposta enganosa de emprego e aceitá-la. O trabalhador aliciado só percebe que foi enganado quando chega ao local de trabalho. O documentário Aprisionados por promessas (2006), produzido por CPT, Cejil e Witness, traz depoimentos de trabalhadores escravizados no campo. Eles contam a sua trajetória, desde o momento em que aceitaram a proposta de um trabalho até os dias em que se tornaram escravos: “Aprisionados por promessas: a escravidão rural contemporânea no Brasil”. Produção: CPT, CEJIL e Witness (2006) O fato de uma pessoa não ter uma terra própria para plantar ou a dificuldade de obter condições econômicas para produzir, o desemprego ou a renda familiar insuficiente são algumas das razões que a deixam em uma situação de vulnerabilidade socioeconômica, obrigando-a a deixar sua casa em busca de serviço. Outros fatores são a dificuldade de ter acesso à escola, a falta de alternativas de geração de renda em suas cidades de origem e a baixa renda. Quem são os trabalhadores escravizados no Brasil? Desde 2003, os trabalhadores resgatados da escravidão no Brasil passaram a ser inseridos no programa Seguro-Desemprego do Ministério do Trabalho e Emprego. As estatísticas cadastradas pelo programa até 2014 nos fornecem as características mais comuns das pessoas escravizadas. O fato de a maior parte dos libertados da escravidão no Brasil entre 2003 e 2014 ser composta por homens jovens está relacionado à busca dos empregadores por pessoas com grande vigor físico, que possam ser exploradas em serviços pesados. No período em que as fiscalizações do governo se concentravam em atividades rurais, a maior parte das mulheres resgatadas trabalhavam cozinhando para os outros empregados. Apesar de o perfil destacar as características mais comuns de um grupo, ele não representa todo o universo dele. No caso dos trabalhadores escravos, há aqueles que não se enquadram nas características destacadas. Outros dados de trabalhadores libertados entre 2003 e 2014 Eles nasceram nos estados Maranhão (23,6%), Bahia (9,4%), Pará (8,9%), Minas Gerais (8,3%), Tocantins (5,6%), Piauí (5,5%) e Mato Grosso (5,5%) 92,6% iniciaram a vida profissional antes dos 16 anos. Na média, eles começaram a trabalhar aos 11 anos. Fontes: Comissão Pastoral da Terra, com dados do Ministério do Trabalho e Emprego e o estudo “Perfil dos principais atores envolvidos no trabalho escravo rural no Brasil” (OIT, 2011). Há uma relação direta entre trabalho infantil e trabalho escravo, sobre a qual você pode saber mais na sessão sobre trabalho infantil desta publicação. Por exemplo: No Brasil, há muitos estrangeiros submetidos ao trabalho escravo, como veremos nos capítulos sobre tráfico de pessoas e migração dessa publicação. Apesar de a maior parte dos escravos contemporâneos ser analfabeta ou ter estudado pouco, há trabalhadores libertados com alta escolaridade. A matéria da Repórter Brasil “Tripulantes resgatados da escravidão em cruzeiro de luxo relatam rotina de assédios e sobrecarga” traz o depoimento de trabalhadores escravizados que tinham Ensino Médio completo e até iniciado a faculdade. imprimir esta página
Quem escraviza no Brasil? Em 2011, a OIT publicou um estudo intitulado “Perfil dos principais atores envolvidos no trabalho escravo rural no Brasil”. Durante a pesquisa, foram entrevistados 12 empregadores que utilizavam mão de obra escrava em suas fazendas. Os dados sistematizados apontam para características comuns dentre esses empregadores. Veja o box ao lado. para refletir “Se as condições aqui fossem tão ruins, como explicar cortadores que vão e voltam do Maranhão há 15 anos?” —Domingos Azevedo Neto, diretor de suporte operacional do Grupo EQM A destilaria Araguaia, que já teve o nome de Gameleira, fica no nordeste do Mato Grosso. Ela já foi flagrada quatro vezes utilizando mão de obra escrava, em 2001, 2003, 2005 e 2009. Ao todo, 1.406 trabalhadores foram resgatados lá. O diretor de suporte operacional do Grupo EQM, proprietário da destilaria, afirmou que os migrantes escravizados, a maior parte deles vinda do Maranhão, já se estavam acostumados com a miséria. Assim como ele, muitos empregadores de trabalho escravo justificam as más condições em que submetem os trabalhadores como sendo algo a que estão acostumados, e que o trabalho que oferecem é igual ou melhor do que a miséria em que viviam. Perfil dos empregadores A maioria tem ensino superior completo. Eles são pecuaristas, agricultores, fazendeiros, veterinários e administradores. São médios e grandes proprietários, já que tinham terras a partir de 600 hectares (médios) de 1,5 mil a 17 mil hectares (grandes). A maioria é da região Sudeste, mas suas propriedades e empresas encontravam-se nas regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste do país. A matéria “Destilaria Araguaia explora trabalho escravo pela 4ª vez em 8 anos”, produzida pela Repórter Brasil, traz detalhes dos flagrantes ocorridos na usina. imprimir esta página
A trilha da liberdade A atuação do Estado brasileiro no combate ao trabalho escravo tem se dado principalmente nas ações de repressão aos empregadores que cometem essa prática ilegal. Acompanhe os passos que devem ser percorridos para que os trabalhadores sejam libertados. 1 Fuga A fuga acontece quando o trabalhador sofre ameaças ou está submetido a condições que restringem sua liberdade e/ou afetam sua dignidade. Por mais que seja perigoso, na maioria das vezes, é a única alternativa para escapar da violência e conseguir seus direitos. http://escravonempensar.org.br/livro/wp-content/uploads/2014/10/Aprisionados-por-Promessas_fuga_trilha.mp3 Extraído de “Aprisionados por Promessas” 2 Denúncia As denúncias de casos de trabalho escravo são o principal instrumento para orientar as ações de fiscalização e descobrir situações de trabalho escravo. A identidade do denunciante é mantida em sigilo, para garantir sua segurança. É importante que a denúncia contenha o máximo de informações possível, como: Nome do empregador; Local do trabalho; Quantos trabalhadores estão nesse local; As condições em que esses trabalhadores se encontram; As atividades que eles exercem; Como ocorreu a contratação. Veja o formulário usado pela Comissão Pastoral da Terra no recebimento e registro de denúncia. 3 Onde denunciar O denunciante pode buscar a ajuda dos órgãos responsáveis pela fiscalização (o Ministério do Trabalho e Emprego e o Ministério Público do Trabalho), além de sindicatos e outras organizações da sociedade civil, como a Comissão Pastoral da Terra e o Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia. Clique nos balões para saber o papel das entidades. Clique nos balões para saber o papel das entidades. O Ministério Público do Trabalho (MPT) recebe denúncias de violações trabalhistas feitas pessoalmente, po0r telefone, carta ou internet. O MPT pode encaminhar a denúncia ao MTE ou realizar uma ação de fiscalização na propriedade. O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) recebe denúncias feitas pessoalmente em todos os estados por meio das superintendências, gerências e agências regionais do Trabalho e Emprego. A Polícia Federal recebe denúncias e as encaminha ao MTE. A Comissão Pastoral da Terra é uma entidade ligada à Igreja Católica colhe denúncias de trabalhadores e as encaminha ao MTE, além dar assistência a trabalhadores libertados. Anualmente, sistematiza e divulga uma base estatística referente àa ocorrênciaa de trabalho escravo. O Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia – MA (CVDH) acolhe trabalhadores escravizados em fazendas e carvoarias no Maranhão, oferece assistência jurídica e encaminha denúncias ao MTE. 4 Grupo Especial de Fiscalização Móvel O Grupo Móvel de Fiscalização foi criado em 1995 para fiscalizar as denúncias de trabalho escravo. As equipes do Grupo são compostas por auditores do Ministério do Trabalho e Emprego, procuradores do Ministério Público do Trabalho, policiais federais ou rodoviários federais. Clique na imagem para conhecer quem integra o Grupo Especial de Fiscalização Móvel Polícia Federal São responsáveis pela segurança da equipe; Apreendem armas e efetuam prisões quando há flagrantes de crimes Investigam os crime, como aliciamento, redução de trabalhadores à condição análoga à de escravo, tortura e agressão; Abrem inquéritos que embasarão a ação criminal na Justiça. Ministério Trabalho e Emprego Coordenam as fiscalizações; Averiguam as condições trabalhistas nas propriedades denunciadas; Aplicam multas em caso de irregularidades Ministério Público do Trabalho Reforçam a atuação dos auditores fiscais, com medidas judiciais urgentes, como o bloqueio de bens dos acusados se não quiserem pagar os direitos aos trabalhadores ; Recolhem dados e informações para ingressarem na Justiça do Trabalho com ações civis públicas e coletivas, para que o fazendeiro pague indenizações. 5 A matéria Número de fiscais do trabalho despenca e MPT aciona justiça para garantir contratações traz dois infográficos mostrando a diminuição do número de fiscais desde os anos 1990 e o aumento da população no mesmo período. Operação de fiscalização Após o recebimento da denúncia, o Ministério do Trabalho e Emprego providencia o envio de um Grupo Móvel de Fiscalização. Mesmo tendo papel decisivo na libertação dos trabalhadores, os Grupos Móveis enfrentam problemas técnicos, como o número insuficiente de auditores fiscais, e a dificuldade de acesso a propriedades isoladas na zona rural. Veja como acontecem algumas fiscalizações pelo Brasil afora: trecho do documentário “Frente de Trabalho” (2006) Direção: Caio Cavechini Produção: SINAIT 6 Averiguação das condições de trabalho A equipe de fiscalização analisa a situação dos trabalhadores e registra as violações em autos de infração. De acordo com as condições encontradas, o Grupo Móvel classifica se é ou não um caso de trabalho escravo. Há aplicação de multas para cada irregularidade trabalhista encontrada. O Ministério do Trabalho e Emprego possui o Manual de Combate ao Trabalho em Condições Análogas às de Escravo, que orienta os auditores em relação aos procedimentos necessários nas fiscalizações. 7 Recebimento de direitos Os fiscais só vão embora depois que o empregador pagar os trabalhadores, quitando a dívida trabalhista (salários, férias, 13° salário etc.). As dívidas ilegais do trabalhador com o empregador são canceladas. O empregador também deve garantir o retorno deles para as suas casas, pagando as passagens, por exemplo. O trabalhador tem direito a 3 meses do seguro-desemprego. Assista aqui ao trecho do documentário “Frentes de Trabalho” (2006) no qual os trabalhadores recebem seus direitos: Direção: Caio Cavechini Produção: SINAIT 8 Libertação Os trabalhadores são retirados da propriedade e retornam à sua terra natal. imprimir esta página
Repressão ao trabalho escravo no Brasil Os caminhos da justiça O empregador que utiliza o trabalho escravo comete infrações trabalhistas e o crime previsto no Código Penal pelo artigo 149. Por isso, ele pode ser processado pela Justiça do Trabalho (responsável por julgar as infrações trabalhistas) e pela chamada Justiça Comum (responsável por julgar crimes). Artigo 149 Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. 1o. Nas mesmas penas incorre quem: I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. 2o. A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: I – contra criança ou adolescente; II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. Justiça do Trabalho Pagamento de salários e encargos corrigidos ao trabalhador Pagamento de indenização por dano moral coletivo O trabalho escravo lesa a sociedade inteira, não apenas o trabalhador explorado. Por isso, muitas vezes, o empregador é obrigado a pagar indenizações, cujos recursos são revertidos para o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) ou para projetos ligados ao combate ao trabalho escravo.O texto do Blog do Sakamoto “OAS firma acordo e deve pagar R$ 15 mi por escravos em obras de Cumbica” trata de uma indenização por dano moral coletivo. Assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) O MPT firma com o empregador um TAC, documento pelo qual o empregador se compromete a sanar as violações trabalhistas e compensar os prejuízos causados pelo uso de trabalho escravo.A matéria “MPT firma TAC que beneficia trabalhadores que costuravam para a empresa da Renner, da assessoria do MPT, trata de um acordo firmado em 2014. Justiça Comum Pena de 2 a 8 anos de prisão A matéria do UOL Notícias “Por trabalho escravo, empresário é condenado a sete anos de prisão” trata da condenação fazendeiro Ronaldo Perão. Pagamento de indenização ao trabalhador por dano moral individual É justo que o trabalhador escravizado receba uma indenização pela exploração que sofreu, mas isso geralmente está associado à condenação do patrão pelo crime de trabalho escravo. Por isso, as indenizações frequentemente são incluídas dentre as obrigações do TAC.A matéria da assessoria do MPT “Fazendeiro é condenado pela prática de trabalho escravo no Amazonas” explicita os valores das indenizações por dano moral individual. para refletirVocê acredita que as ações de fiscalização e os processos judiciais sejam suficientes para acabar com o trabalho escravo no Brasil? Sanções econômicas O empregador que utiliza trabalho escravo busca produzir ou beneficiar um produto com o mínimo ou ausência total de custos trabalhistas, ou seja, a motivação para explorar o trabalhador é principalmente econômica. Por isso, além das punições judiciais, algumas ações de combate incidem no aspecto econômico para que o uso de trabalho escravo deixe de ser rentável ao empregador. Veja a seguir: Lista suja O Ministério do Trabalho e Emprego e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República mantêm, desde 2003, um cadastro público com nomes de proprietários e empresas flagrados usando trabalho escravo e que foram processados na esfera administrativa, com chance de defesa por esse crime. Em 2014, a lista suja foi suspensa, por liminar, pelo Superior Tribunal Federal, que atendeu a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias. A presença na “lista suja” limitaria o acesso a crédito em instituições públicas e privadas e dificultaria negociações comerciais. Os empregadores permanecem nesse cadastro por pelo menos dois anos, período durante o qual são monitorados. Após esse prazo, aqueles que resolverem as irregularidades em suas propriedades, quitarem as multas geradas pela fiscalização e não reincidirem na exploração de trabalhadores escravos são excluídos da lista. Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo Lançado em 2005, reúne empresas brasileiras e multinacionais que assumiram o compromisso de não manter relação comercial com pessoas físicas e jurídicas flagradas com trabalho escravo e julgadas por isso. As empresas signatárias usavam a “lista suja” como base para gerenciar as suas cadeias produtivas. Atualmente, a iniciativa reúne cerca de 250 empresas, que juntas correspondem a 30% do Produto Interno Bruto nacional. Confisco de propriedades Em 2014, o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional 81, que prevê a expropriação de propriedades rurais e urbanas nas quais for flagrado o uso do trabalho escravo. A propriedade, então, deve ser destinada à reforma agrária ou a programas de habitação. Essa norma é resultado de uma Proposta de Emenda Constitucional que tramitou por mais de 19 anos no Congresso Nacional e ficou conhecida como “PEC do Trabalho Escravo”. Apesar de aprovada, a Emenda corre o risco de ser esvaziada na sua regulamentação, pois deputados e senadores da bancada ruralista pretendem alterar o conceito de trabalho escravo. Clicando aqui você será direcionado ao sistema de busca por empregadores cadastrados na “lista suja” do trabalho escravo, desenvolvido pela ONG Repórter Brasil. Para saber mais, confira a matéria da Repórter Brasil “Ação de construtoras barra publicação da lista suja do trabalho escravo” Com a Emenda Constitucional 81, o artigo 243 da Constituição Federal passou a ter a seguinte redação: As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do país onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º. Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da lei.Uma PEC tem o objetivo de alterar artigos da Constituição Federal. Para isso, precisa passar por votação pela Câmara e pelo Senado, em dois turnos nas duas casas. Para aprovação, são necessários pelo menos 3/5 de votos favoráveis do total de parlamentares. imprimir esta página
O ciclo do trabalho escravo O que acontece quando o trabalhador é libertado e retorna para sua casa? Em geral, eles e suas famílias continuam sem ter acesso a direitos, como trabalho digno, educação, saúde e moradia. Ou seja, permanecem na mesma situação de vulnerabilidade socioeconômica que os tornaram alvos fáceis da exploração. Sem alternativas de sustento, esses trabalhadores são obrigados a aceitar qualquer tipo de serviço em sua região ou em outros estados, podendo ser aliciados e escravizados novamente.. Por isso, a libertação não necessariamente significa a solução final do problema. Ela pode ser o ponto final de um caso de exploração, mas, no plano geral, não encerra de uma vez por todas o ciclo pernicioso da exploração. A matéria “Libertados da escravidão correm o risco de voltar ao trabalho forçado”, publicada na Agência Carta Maior de Notícas, traz um exemplo concreto: “A situação do recém resgatado Alessandro Silva da Costa, 22, é um exemplo do risco de volta ao ciclo da escravidão. Mais velho entre 15 irmãos, nunca sentou em um banco de escola e não tem nenhum documento, com exceção da carteira de trabalho provisória fornecida pelo MTE no momento do seu resgate. Depois de trabalhar em condições degradantes por um ano em uma fazenda a 150km de Araguaína, ele recebeu R$ 2.203,00 como rescisão contratual, que usará na construção de uma pequena casa para a família. Beneficiado por três parcelas do seguro-desemprego, Alessandro não vê o futuro com entusiasmo: ‘Esse dinheiro dá pra muito pouco tempo. Depois, como vou conseguir um emprego sem saber ler e escrever?’, lamenta. Ele acabou sendo aliciado para o trabalho degradante quando não conseguiu encontrar emprego na sua região”. Clique aqui para ler a reportagem inteira. O fascículo Ciclo do trabalho escravo, produzido pelo Escravo, nem pensar!, exibe de forma ilustrada as etapas desse fenômeno. imprimir esta página
Rompendo o ciclo da escravidão Como romper o ciclo do trabalho escravo? Como o trabalhador pode conquistar uma vida digna? Ações de repressão, ainda que relevantes, não são suficientes para romper o ciclo do trabalho escravo. É preciso compreender que essa violação de direitos humanos apenas poderá ser erradicado se ele for combatido a partir de três frentes de ação: Prevenção Educação Assistência ao trabalhador libertado Alojamento à vítima Programas de assistência social Repressão ao crime Condenações criminais Confisco das propriedades Fiscalização A prevenção, a assistência ao trabalhador libertado e a repressão ao crime estão previstas no 2º Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. Esse documento foi aprovado em 2008 pela Conatrae e é referência nacional para o enfrentamento ao trabalho escravo no país. Para ver o quadro acima completo, com todas as ações de combate ao trabalho escravo, siga para a próxima tela. A Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo existe desde 2003 com a missão de formular políticas públicas voltadas ao combate do trabalho escravo no Brasil. Ela é́ composta por representantes governamentais e da sociedade civil, como a Repórter Brasil. Em alguns estados foram criadas as Comissões Estaduais de Combate ao Trabalho Escravo (Coetraes), que têm o papel de propor e acompanhar as ações nos seus territórios. Esses grupos também são compostos por representantes governamentais e da sociedade civil. Clique aqui para baixar o PDF com o texto completo do 2º Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. imprimir esta página
Ações de combate ao trabalho escravo Informação e Formação Campanha “De olho aberto para não virar escravo”. Os integrantes da Comissão Pastoral da Terra (CPT) realizam palestras e oficinas com trabalhadores, lideranças populares, educadores e estudantes. O foco dessa campanha é o acesso à informação: quando a população é melhor informada sobre os seus direitos, ela tende a perceber as violações e denunciar casos que antes poderiam passar despercebidos e a pressionar o poder público e as empresas a adotarem medidas contra o trabalho escravo. Cooperativismo Cooperativa pela Dignidade do Maranhão (Codigma). A Codigma foi criada em 2007 como uma alternativa de renda para trabalhadores resgatados da escravidão e, também, para aqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade. Ela conta com núcleos de produção de carvão ecológico, de artefatos de madeira reciclada e de papel reciclado. Saiba mais sobre essa cooperativa na matéria da Repórter Brasil “No Maranhão, ex-escravos tentam nova vida produzindo brinquedos”. Reforma agrária Assentamento 26 de Março. Antiga fazenda Cabaceiras, no município de Marabá (PA), o assentamento foi criado a partir da ação e resistência do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). Trata-se da primeira desapropriação decretada por flagrante de trabalho escravo. Entre 2003 e 2004, foram registrados três casos de escravidão na propriedade, envolvendo 82 trabalhadores. Como a região é marcada pela vulnerabilidade dos trabalhadores rurais e pelo frequente aliciamento para trabalho nas fazendas de gado, o movimento social pressionou os órgãos públicos para que destinasse o estabelecimento de 10 mil hectares para fins sociais, melhorando a vida dos moradores da região. Hoje, mais de 200 famílias vivem e cultivam alimentos na área. Saiba mais na dissertação de mestrado de Carlos Juliano Barros, integrante da Repórter Brasil, “O sonho se faz a mão e sem permissão – Escravidão temporária e reforma agrária no sudeste do Pará” Mobilização e resistência Assentamento Nova Conquista. Localizado em Monsenhor Gil (PI), o assentamento, criado em 2009, é fruto da luta de trabalhadores piauienses resgatados da escravidão em uma fazenda de pecuária no Pará, em 2004. Eles se organizaram para reivindicar um pedaço de terra junto ao Instituto Nacional de Terras e Reforma Agrária (INCRA), e com o apoio da CPT, formaram uma associação de produtores rurais. Com a conquista da terra, os trabalhadores não precisam mais migrar em busca de emprego e, hoje, promovem ações de prevenção ao trabalho escravo na região. Em 2014, o Assentamento recebeu o Prêmio Nacional de Direitos Humanos, na categoria Erradicação do Trabalho Escravo. O prêmio é organizado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Confira o artigo de Xavier Plasset, da CPT de Araguaína, “Nova Conquista, o protagonismo dos trabalhadores do Piauí na quebra do ciclo da escravidão”. Formação do trabalhador Projeto Qualificação – Ação Integrada. Em 2009, foi lançada a primeira experiência no país de capacitação profissional para trabalhadores resgatados da escravidão, o Projeto Qualificação – Ação Integrada, realizado pelo MTE no Mato Grosso. Até julho de 2013, 434 trabalhadores já haviam participado de cursos profissionalizantes como os de costureiro, pedreiro, pintor, eletricista e operador de máquina agrícola. Saiba mais sobre o projeto na matéria do MPT Projeto de Qualificação Ação Integrada promove resgate da cidadania, avalia coordenador nacional da OIT no Brasil. Agora que você viu exemplos de outras ações que colaboram para a erradicação do trabalho escravo, vamos completar a tabela com as palavras chaves desse mosaico de iniciativas? Informação e formação Formação do trabalhador Cooperativismo Mobilização e resistência Reforma agrária Prevenção Educação Assistência ao trabalhador libertado Alojamento à vítima Programas de assistência social Repressão ao crime Condenações criminais Confisco das propriedades Fiscalização Você pode aprender mais sobre o ciclo do trabalho escravo de uma maneira lúdica. Baixe o jogo digital Escravo, nem pensar! e ajude o trabalhador Vanderlei a fugir da frente de trabalho – que pode ser no campo ou na cidade – e a denunciar essa prática criminosa. As telas, desafios e diálogos do jogo ilustram as situações enfrentadas na vida real pelos trabalhadores afetados por essa violação. imprimir esta página
Combatendo o trabalho escravo pela educação Você já conheceu diferentes iniciativas de combate ao trabalho escravo da sociedade civil e também políticas públicas adotadas pelos Estado. Agora, vamos mostrar dois exemplos de como as escolas e outros espaços formativos podem ser envolvidos na luta contra a escravidão contemporânea. Essas experiências fazem parte dos projetos financiados pelo Fundo de Apoio a Projetos Escravo, nem pensar!. Desde 2007, 106 iniciativas de escolas e entidades sociais de nove estados, com o apoio do programa Escravo, nem pensar!, contribuíram diretamente com a prevenção ao trabalho escravo. Você pode conferir cada um dos projetos aqui. Desafios na perspectiva de Educar para não escravizar Município: Rio Maria (PA) Responsável: Secretaria Municipal de Educação Ano: 2012 Abrangência: Nove escolas municipais, 3,2 mil alunos da educação infantil ao ensino fundamental. Um dos principais objetivos da iniciativa foi fazer com que as informações chegassem aos moradores do município e, para isso, produziram programas de rádio e um documentário sobre os casos de trabalho escravo na região. Com os trabalhos produzidos, a coordenação do projeto realizou um concurso de premiação dos três melhores nas categorias, “desenhos”, “textos dissertativos” e “poemas”. Os materiais foram reunidos em uma cartilha produzida em parceria com a Comissão Pastoral da Terra. Ao longo do projeto, foram realizadas rodas de conversa, contação de histórias e análise de imagens e filmes sobre a temática. Para mobilizar os alunos no combate ao trabalho escravo, os professores optaram por atividades lúdicas pelas quais os alunos puderam expressar sua criatividade e habilidades artísticas. Os alunos também realizaram entrevistas com moradores, produziram textos dissertativos, maquetes, poemas, paródias, peças de teatro, coreografias, entre outras produções. Durante a festa de encerramento do projeto, cerca de 3 mil pessoas prestigiaram os trabalhos dos alunos, assistiram às apresentações artísticas e acompanharam a premiação do concurso. “O projeto abriu os olhos da população, uma população que sofre na pele o problema do trabalho escravo, que era tido como algo natural. Hoje as pessoas têm conhecimento de que é uma exploração.” — Lionete Soares Pimentel, coordenadora de turmas do Programa Brasil Alfabetizado de Rio Maria Confira a cartilha produzida: Confira o documentário: Trabalho escravo: esclarecer, educar e transformar Município: Marabá (PA) Responsável: Escola Municipal Pedro Valle Ano: 2010 – 2011 A Escola Municipal Pedro Valle, localizada na área rural de Marabá (PA), desenvolveu em 2010 o projeto “Trabalho escravo: esclarecer, educar e transformar” e produziu a peça de teatro “Esperança Perdida”, que narra a história de um trabalhador que se torna escravo em uma fazenda. A dramatização foi apresentada nas comunidades da região e se tornou filme, vencedor do prêmio de melhor filme amador no Festival de Cinema de Parauapebas. No ano seguinte, 2011, para expandir o alcance das ações, o filme foi exibido em sete escolas e outras três comunidades de Marabá e Parauapebas (PA), como parte do projeto “Trabalho escravo: informar para libertar”. Após as exibições, os estudantes-atores realizavam rodas de conversa sobre trabalho escravo e as situações de pobreza que tornam o trabalhador vulnerável a falsas promessas de aliciadores. Nas visitas, também foram apresentados materiais sobre trabalho escravo e um teatro de fantoches. A escola organizou ainda uma palestra aberta à comunidade com representantes da Comissão Pastoral da Terra e da Justiça do Trabalho de Marabá. Veja abaixo o depoimento da diretora da escola, Juraci Alves Vieira, sobre a importância dessas ações. imprimir esta página